São Paulo, terça-feira, 3 de outubro de 1995
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Privatizando a Previdência

LUÍS PAULO ROSENBERG

Nesta semana, ocorre em São Paulo a reunião anual da Abrapp, a associação dos fundos de pensão das empresas públicas e privadas brasileiras. Trata-se de um setor vitorioso, em crescimento explosivo. É passado o período em que apenas fundos estatais, que recebiam pornográficas contribuições de suas empresas patrocinadoras, dominavam o cenário nacional.
Para trás ficou também a fase de gestão política desses recursos, na qual chafurdavam os PCs (Farias, não os compatíveis com IBM...), transferindo ganhos que seriam dos trabalhadores para suas contas nos paraísos fiscais. Hoje, predomina a técnica na gestão desses fundos, multiplicam-se as empresas privadas que oferecem essa opção aos seus trabalhadores e há uma importante semente de privatização previdenciária aí disponível. Bom motivo para retornarmos ao tópico, esquecido desde o começo deste governo.
Observando-se a experiência internacional, principalmente a européia, constatam-se três níveis de atendimento previdenciário. O universal, sempre a cargo do Estado, que cobre as necessidades mínimas dos aposentados; o complementar, obrigatório ou voluntário, que mobiliza contribuições primordialmente dos empregadores para garantir um algo mais à velhice de seus trabalhadores.
E, finalmente, a previdência suplementar, para salários mais elevados que almejam uma aposentadoria mais abastada, constituída por seus próprios recursos, dirigidos a fundos administrados por especialistas, dos quais sacam na velhice. Como trazer a experiência internacional para cá respeitando as peculiaridades tupiniquins?
Comecemos pela parte universal da aposentadoria. Hoje, esta é a área a cargo do Ministério da Previdência. É desnecessário elaborar sobre a incompetência e corrupção com que estes serviços vêm sendo prestados: basta acessar as páginas policiais e de reclamações do leitor para constatar o caos que toma conta do sistema.
Na seção econômica, é suficiente registrar que o equilíbrio atuarial do sistema não existe; a única questão é saber quando a União perderá condições de bancar o rombo crescente da previdência pública. Portanto, você pode estar contando com um pecúlio na sua velhice sem que os fundos necessários a honrá-lo venham a existir no futuro.
Aceita esta realidade, cabe reverter o problema: qual o nível máximo, mas assegurado, que o Estado pode garantir aos seus aposentados? Gostaríamos que fosse algo como dez salários mínimos. Contudo, se deixarmos a razão falar e não o coração, veremos que o número deverá estar mesmo entre um e dois salários mínimos.
Pois bem, vamos instituir o maior programa social do governo federal: todo brasileiro com mais de 65 anos fará jus a uma renda de pelo menos um e meio salário mínimo até sua morte, independentemente de ter contribuído em vida para a Previdência. Acima deste valor, a cobertura deixa de ser responsabilidade do governo.
Este seria o verdadeiro caráter de universalidade do sistema, que independeria de cálculos atuariais corretos: os pagamentos seriam cobertos por receita tributária comum. Tanto assim que a Receita Federal deveria encarregar-se de seu pagamento, o que nos permitiria extinguir o Ministério da Previdência. Uma idéia que deveria agradar tanto aos privatistas exacerbados como ao PT, defensor da proposta do Imposto de Renda negativo, criada pela dupla Milton Friedman-Eduardo Suplicy.
Que faríamos com a previdência complementar? Ela seria a fonte de renda mais importante do aposentado e totalmente privada. Deveria ser obrigatória: empregadores e trabalhadores contribuiriam, cada um, com, digamos, 5% do salário pago, mas a alocação do recurso seria livremente escolhida e alterada pelo trabalhador.
Ele poderia, então, determinar que os recursos fossem dirigidos ao fundo de pensão da própria empresa em que trabalha, ou para o gerido pelo seu sindicato, ou para o da CUT, ou para o da Força Sindical, ou então aos fundos geridos por Citibank ou Bradesco.
Para estimular os benefícios da parceria empresa-trabalhador, os fundos de pensão poderiam receber algum incentivo fiscal adicional. O importante é que o papel do Estado ficaria restrito a vigiar a obrigatoriedade do recolhimento e a qualidade da gestão dos recursos, divulgando informações que permitissem ao trabalhador diferenciar, no mercado de fundos, os competentes dos picaretas.
Finalmente, cada um faria como bem entendesse em relação à previdência suplementar, totalmente voluntária e sem contribuições obrigatórias do empregador. Restaria, então, promover a cerimônia fúnebre disto que está aí, estabelecendo as regras de transição de um sistema para o outro.
Tarefa complexa para o presidente, mas ainda mais simples do que acomodar os pleitos de rolagem de dívidas dos governadores ou decidir se ele é ou não o pai da atual política suicida de juros.

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