São Paulo, terça-feira, 3 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Irritante

ANDRÉ LARA RESENDE

A partir desta semana muda tudo em relação às aplicações financeiras. Novas regras, novo nome: agora é FIF, Fundo de Investimento Financeiro. É difícil não se irritar com mais uma absurda mudança de regra. Bom, deixemos por um momento o adjetivo de lado: mais uma mudança de regra.
A inflação destrói, entre outras coisas, a capacidade da moeda preservar valor até mesmo por períodos curtos de tempo. O sistema financeiro de uma economia submetida a longos anos de inflação crônica se adapta e cria substitutos para a moeda.
A enorme incerteza sobre as taxas de inflação e de juros, por qualquer prazo superior a algumas semanas, torna todo contrato financeiro de prazo mais longo um risco intolerável. Impossível chegar a um acordo: as duas partes exigem um prêmio de risco, um adicional no preço, para se protegerem contra surpresas desagradáveis e, infelizmente, frequentes.
Sem moeda estável, os aplicadores exigem liquidez dos ativos financeiros alternativos. A incerteza obriga à redução dos prazos de aplicação e de empréstimos. Soma-se a fome com a vontade de comer. O resultado é que as operações do sistema financeiro ficam concentradas no curtíssimo prazo.
É óbvio que isso não é bom. Trata-se de uma distorção. Um sistema eficiente deve ser capaz de suprir recursos também para os projetos que requeiram maior prazo de maturação. Esse papel é facilitado se houver poupança de longo prazo associada a um sistema previdenciário eficaz.
É evidente que o restabelecimento das aplicações financeiras e do crédito de longo prazo seria desejável. Mais do que desejável, fundamental para o crescimento sustentado. Até aqui estamos de acordo. Mas não é exatamente isso que se pretende com as novas regras, pergunta a leitora -versada em temas áridos, se teve a paciência de chegar até aqui- com uma certa perplexidade.
A resposta é: não. Obrigar os fundos a manterem uma expressiva parte de seus recursos em depósitos não remunerados no Banco Central é uma forma de criar uma fonte compulsória de financiamento a custo zero para o governo. Essa é a verdadeira razão das novas regras. Importante quando o governo está pagando juros estratosféricos para se financiar? Sem dúvida. Legítimo? Talvez. Mas é uma desagradável reminiscência do imposto inflacionário e das arbitrariedades cometidas ao longo dos anos de inflação crônica.
A confiança na estabilidade da moeda é a única forma de levar os agentes a estenderem os prazos de aplicação. O restabelecimento da confiança depende das reformas de fundo e da perseverança do controle monetário. Toda penalidade artificial para as aplicações de curto prazo contribui para a desconfiança de que alongá-las é perigoso.
Os grandes investidores, os especialistas, terão logo acesso às infinitas formas de driblar as restrições à liquidez diária. A inteligência alocada ao sistema financeiro está aí para isso. Quem perde então? O pequeno poupador, as tias viúvas, mais uma vez ansiosas, tentando entender pelos jornais, consultando sobrinhos economistas, como não perder sua poupança minguada.
Justifica-se o adjetivo?

Texto Anterior: Vamos rir
Próximo Texto: DESEJO; BOTÂNICA; A VOLTA; CÉU AZUL
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.