São Paulo, quarta-feira, 4 de outubro de 1995
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Ainda o Arquivo Público do Estado

JOSÉ SEBASTIÃO WITTER

Tratar das questões que envolvem neste momento o Arquivo Público do Estado de São Paulo é cuidar do fundamental, ou seja: pensar na administração e na história deste Estado e, como consequência, na história do país.
Desde o primeiro momento em que a imprensa cuidou da crise do arquivo pensei em discutir a questão. Esperei para fazê-lo porque momentos antes havia tratado do assunto em artigo no qual eu reclamava dos governantes uma política para arquivos.
Como o assunto, da forma como foi tratado, era um alerta e não uma denúncia, não houve repercussões maiores nem mesmo os mais diretamente envolvidos com a questão o leram. Infelizmente é preciso que a grande imprensa se dedique à quase catástrofe e, em seguida, um historiador combatente como o é Carlos Guilherme Mota ponha o ``dedo na ferida" por meio da Folha para que os órgãos responsáveis começassem a cuidar de tema tão relevante.
Infelizmente, por ser um velho professor, já vi esse filme antes. Depois de uma denúncia feita pela mesma Folha, cuja manchete era: ``As traças comem a história", cuidou o governo Paulo Egydio Martins para que se fizesse uma total desinfestação do prédio onde até hoje sobrevivem os documentos preservados por tantos governos.
Mais tarde, já no governo Montoro, foi outra manchete em vários jornais que mais ou menos afirmava: ``Construção de edifício ameaça o Arquivo do Estado", que permitiu um duplo esforço dos órgãos responsáveis e fez-se o projeto que virou lei e que criou o Sistema de Arquivos do Estado de São Paulo, e também foi incorporado à Secretaria de Estado da Cultura o edifício para onde seria mudado o arquivo.
Nunca se disse, em momento algum, que o prédio destinado ao arquivo, próximo ao terminal rodoviário do Tietê, somente foi adquirido depois de pareceres técnicos de dois dos maiores especialistas em construções de arquivo de todo mundo. São eles Charles Kesckemeti e Michel Duchein (ambos ligados à Unesco e responsáveis pelos Archives de France naquele momento), que concordaram com a localização e o tipo de edifício pensado como abrigo dos documentos preservados e mal acondicionados na rua Dona Antonia de Queirós.
Segundo Kesckemeti, uma das grandes vantagens daquele tipo de edificação é ter ela tais características que dispensam a instalação de sistemas complicados de ar-condicionado central. Esses dados são oportunos e precisam ser tornados públicos, pois as decisões quanto a essa transação somente foram tomadas depois de estarem certas as autoridades de que a questão estava tecnicamente resolvida.
Por que afirmei já ter visto o filme antes? Porque foram necessárias situações no mínimo aflitivas para que medidas urgentes fossem tomadas. E é o que aconteceu de novo. Vejo que o governo Mário Covas agiu a partir de uma decisão do próprio governador. Recursos foram liberados, mas novamente em situação de emergência.
Como já escrevi anteriormente, é preciso que se estabeleça definitivamente uma política de arquivos para o Estado de São Paulo e que se dê ao Arquivo Público o seu real papel: o de cabeça do sistema de arquivos e com a posição hierárquica que lhe corresponda na estrutura administrativa do Estado.
Não creio que sejam convênios ou soluções mirabolantes e imediatistas que venham a resolver a questão básica do Arquivo Público, que praticamente está resolvida se aplicado rigorosamente o sistema e se for dada continuidade ao processo, que já começou a deslanchar há quase dez anos e parou por falta de continuidade. Aliás, esse é um problema crônico em nossas instituições, qual seja, o de ter suas atividades totalmente alteradas a cada mudança de chefia ou, ainda pior, quando medidas em andamento são interrompidas por questões metodológicas ou político-partidárias.
Creio que é o momento de o governador Covas estabelecer uma diretriz definitiva aos destinos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, tratando da questão com toda seriedade com que vem demonstrando em outros setores da vida pública de São Paulo. É uma tarefa difícil e sem retorno quanto ao reconhecimento público, pois as pessoas neste país ainda não se deram conta da importância de um arquivo como o do Estado de São Paulo, tanto para pesquisa quanto para a administração pública.
Se tivéssemos ou se tivermos um arquivo público bem organizado e bem aparelhado, muitos dos desmandos administrativos devem desaparecer e, do outro lado, a história estará preservada.
Um exemplo que me ocorre quanto ao significado dos arquivos no Brasil e no mundo é o número de pessoas que esteve presente ao ato em defesa do Arquivo Público do Estado de São Paulo. A esse ato compareceram 150 pessoas, se tanto. Em março de 1995, em Salamanca (Espanha), ``dezenas de milhares de pessoas" protestaram em praça pública contra a possível transferência de parte do Archivo General da Espanha de uma para outra cidade. Eram cerca de 15 mil.
Está na hora de valorizarmos nossas instituições, sobretudo aquelas que se prendem a temas histórico culturais. Acrescento que o Arquivo Público é público e, por isso, não deve ter nome homenageando quem quer que seja. Por isso, sugiro que o governador, com sua nova atitude construtiva, revogue a lei que deu o nome de um cidadão ao arquivo e, como ato, faça dele uma instituição exemplar como já foi.
Com isso, se implantará uma política voltada para os arquivos e ao Arquivo Público de São Paulo será garantida aquela que deve ser a sua verdadeira imagem de seriedade e eficiência, a qual precisa ser bem cuidada agora para que chegue forte ao próximo milênio.

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