São Paulo, quarta-feira, 4 de outubro de 1995
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Da capo

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Pouco a pouco, o governo vai tomando um ranço doméstico. Não se trata do simples e banal nepotismo a que estamos habituados. Apesar de eleito por um colossal esquema de poder, que juntou no mesmo saco opressores e oprimidos de recente drama nacional, FHC está apelando cada vez mais para soluções que, na Velha República, eram chamadas de ``bolso do colete".
Para apagar a ameaça de um incêndio no campo (o problema fundiário foi um dos principais motivos que colocaram as tropas nas ruas em 1964), o presidente privou-se de um de seus secretários particulares, tido e havido como entendido no assunto. Tão entendido que, contrariando um governo cujo bordão são as reformas, ele começa negando que a reforma agrária seja a solução para a reforma agrária.
Evidente, trata-se de um pensamento muito sofisticado para a vulgaridade a que estamos condenados: terras demais e alimentos de menos. Terras que eram consideradas tão dadivosas que, em se plantando, nelas daria tudo -a frase quinhentista é mais elaborada, adoto versão menos nobre.
Reformou-se a Constituição no que diz respeito à navegação de cabotagem -assunto prioritário a partir de 1º de janeiro de 1995. Antes dessa histórica data, pouco se falou sobre tão necessária reforma, sobre tão inadiável modernidade. Já a reforma agrária, que em certo sentido vem de dois meses depois do Carnaval de 1500, essa acaba de sair da lista das reformas e voltará a ser discutida ``da capo" -durante os ensaios de orquestra, quando o maestro deseja recomeçar tudo, bate com a batuta na banqueta e diz exatamente isso: ``Da capo".
Não conheço as teorias do novo homem da reforma agrária -ou da não-reforma agrária. Tal como no caso da fome, FHC optou pela solução doméstica. O Comunidade Solidária, expressão neoliberal da caridade feudal, fará gracioso ``pendant" com a Não-Reforma Agrária que está a caminho. Ainda bem que o ministro Sérgio Motta deu a volta por cima. Para alegria geral, voltará ao batente e poderá classificar isso tudo de masturbação sociológica.

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