São Paulo, quinta-feira, 5 de outubro de 1995
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O novo paradigma da economia - 2

LUÍS NASSIF

Os personagens mais ostensivos do novo modelo de capitalismo social são os banqueiros de negócios, que surgem na cena econômica brasileira nos anos 80 e explodem nos 90.
Não se pense em meros ganhadores de dinheiro. Os mais bem-sucedidos têm visão bastante sofisticada sobre o processo histórico de desenvolvimento brasileiro.
Essa percepção histórica, aliás, é marca de todo superempreendedor, do mais intuitivo ao mais cerebral. Amador Aguiar, com sua intuição genial, percebeu e beneficiou-se do novo ciclo de desenvolvimento dos anos 50, baseado no crescimento dos pequenos empreendedores. Norberto Odebrecht, com seu rigor germânico, deu-se conta da necessidade de definir um modelo gerencial descentralizado e participativo.
O modelo da nova geração, no entanto, é Walther Moreira Salles, que, com sua sofisticação intelectual, percebeu, entre os anos 40 e 50, a inserção do Brasil na economia internacional e montou um projeto que dava ênfase às alianças estratégicas e à utilização das empresas como alavanca para a acumulação de capital -rompendo com a tradição cultural do empresário ``dono" do pedaço, que trata cada empresa como se fosse um filho.

Moreira Salles
A atual geração de banqueiros de negócios incorporou quase todas as virtudes e princípios que Moreira Salles exercitava cinco décadas atrás. Menos a ousadia de investir em áreas pioneiras. Mas chega lá.
O novo paradigma tem valores bem definidos. Seu parâmetro básico de avaliação de investimentos é a rentabilidade. Se a melhor rentabilidade estiver em títulos públicos, ótimo. Se estiver em ações de empresas, muda-se.
Para eles, empresas não são objetos de status, influência política ou formas indiretas de lucros. Valem como instrumento para multiplicar o capital.
No fim dos anos 80, o mais bem-sucedido dos banqueiros de negócios -Jorge Paulo Lemann- adquiriu o controle de diversas empresas, provavelmente como seguro contra ameaças de calote na dívida interna. O calote não veio. Hoje em dia, mesmo permanecendo o mais bem-sucedido, sua atitude é ironizada pela concorrência, com números óbvios. Se tivesse mantido o dinheiro no mercado de taxas, em vez de comprar a Brahma, teria o equivalente a duas Brahmas.

Individualidade
Do mesmo modo que estão quase vacinados contra o fetiche da propriedade, sabem atuar em grupo, mas cada qual preservando a individualidade.
Não existe o grupo Garantia ou Pactual, e sim sócios que se uniram para somar forças e constituir esses bancos. Com os lucros obtidos, cada um se vira para seu lado, constituindo, individualmente, outras alianças.
Não há o sentido de tribo e muito menos a mistura entre negócios e famílias. Os herdeiros herdarão dinheiro, não negócios. Na maioria dos casos, há um acordo de acionistas que estipula que, em caso de morte do sócio, a sociedade irá adquirir sua parte, pagando a família, que se retirará da sociedade.
Pesa nessa posição a noção muito clara da importância do talento individual. Não lhes interessam sócios com capital, já que acumularam bastante e têm acesso a volume quase ilimitado de capital externo. Interessa o especialista.
No caso das Lojas Americanas ou da Brahma, por exemplo, o Garantia entrou com o capital e trouxe para sócios especialistas na área.

Governo não
Outro traço de caráter dos novos empreendedores é a repulsa a qualquer forma de ajuda oficial. O único insumo público que apreciam -e muito- é a informação.
A informação, aliás, é elemento essencial nesse modelo. Seu trabalho consiste em descobrir oportunidades de negócios, produtos baratos que podem se valorizar rapidamente.
Nos anos 80 e 90, o produto de maior volatilidade foram os ativos influenciados diretamente por decisões de governo (vide a política cambial na passagem do Real). Esses bancos tornaram-se especialistas em previsão de taxas de juros; montaram esquemas de informação na Telebrás e em outras estatais com ações em Bolsa.
À medida que a economia avança, o elemento governo perde posição relativa e as informações setoriais passam a ser mais relevantes, assim como a análise de empresas.
O futuro reserva para essa nova classe funções econômicas muito mais relevantes do que as atuais. Assim que houver condições estruturais mais adequadas, caberá a eles ser os grandes agentes do processo de modernização das médias empresas brasileiras, preparando-as para receber a enxurrada de capital que virá com a estabilização e com a reforma da Previdência.

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