São Paulo, sexta-feira, 6 de outubro de 1995
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Os incompetentes de sempre

MAILSON DA NÓBREGA

Em artigo nesta Folha (24/9/95), Gustavo Franco atacou os críticos da política econômica, para os quais, segundo ele, "ao governo cabe e sempre coube, evidentemente, toda a culpa por todos os fracassos nacionais. Elogiar o governo seria o mesmo que desmunhecar.
A reação foi imediata. Seus críticos o desancaram: não possui capacidade de autocrítica, continua errando, é arrogante, pratica a soberba. Alguns, mais altivos, deixaram implícito que o criticam com o rigor científico haurido nos manuais da teoria econômica.
É da natureza dos analistas da economia brasileira inquinar a política econômica de insuficiente ou equivocada. Basta estar fora do governo. Gustavo Franco achará muitos deles na equipe econômica. Baixavam a lenha em todos quando estavam do lado de cá.
A crítica é, como se sabe, necessária. Ajuda a reconhecer erros, corrigi-los ou cimentar o convencimento sobre a qualidade da política econômica. Escrutar as ações do governo e emitir juízo sobre elas é responsabilidade irrecusável dos formadores de opinião.
A maioria parece ignorar, todavia, as circunstâncias em que opera o governo, à míngua de instrumentos adequados. O centro de qualquer política econômica, o regime fiscal, se encontra doente. Existe uma absurda rigidez orçamentária, herança maldita da crise fiscal dos anos 70 e da desastrada Constituição de 88.
A política monetária termina assumindo papel excessivo no controle da demanda, e a valorização cambial exerce função além do desejável na estabilização. Por um tempo, enquanto se espera a reforma fiscal, tais exageros se justificam. Os críticos exigem, no entanto, "corte de gastos e o fim do uso "irresponsável dos juros altos, mesmo antes da reforma.
As baixas condições de governabilidade passam ao largo das análises. Talvez sob influência do período militar ou dos cursos frequentados em países politicamente maduros, alguns críticos demandam urgência nas reformas. A lentidão não seria derivada da complexidade do processo, mas da falta de habilidade, da hesitação e do despreparo.
Nem sempre os críticos olham a ineficiência decisória do sistema político. Nem todos vêem a excessiva fragmentação e a falta de coerência programática, de disciplina e de fidelidade dos nossos partidos. Por isso, as maiorias parlamentares são ocasionais. As negociações acontecem caso a caso. É muito difícil empreender reformas com a velocidade requerida.
O atual governo acerta mais do que erra. Às vezes, falta-lhe humildade para reconhecer que o sucesso do Real tem muito a ver com o ambiente de sua implementação, e não apenas com a qualidade de sua formulação. Suas chances seriam menores não fossem as lições legadas por fracassos do passado e a restauração do acesso do país ao mercado financeiro internacional.
Há os que estão no poder nos piores momentos e os que nele aportam quando amadureceram certas condições para o êxito. O presidente Hoover, nos EUA, o governo trabalhista inglês e vários líderes latino-americanos assistiram, inermes, ao vendaval político, social e econômico da Grande Depressão.
Não basta, contudo, a ventura de chegar no momento propício ao sucesso. É preciso ter competência para explorar a sorte. Este governo a possui. A crítica, contudo, continuará. A boa e a má. Aqui e acolá, petulante e debochada. É o diapasão de mais de 20 anos de crise.
A crítica, não raro, termina desviando a atenção. Falar mal dos juros altos e da valorização cambial coloca holofotes em cima da equipe econômica. Poder-se-ia também apontá-los na direção dos líderes políticos e exigir deles maior responsabilidade pelas reformas.
Os críticos sinceros, bem ou mal informados, acham que cumprem seu dever. Outros têm o prazer de menoscabar adversários. Os orgulhosos de si mesmos oferecem um pouco de sua sapiência e lamentam que o governo, coitado, recuse o conselho.
Se um marciano tivesse observado a cena brasileira nesses anos, ficaria convencido de que o governo tem uma capacidade ímpar de selecionar apenas os incompetentes. Eles estão sempre errando. Pelo menos é o que assinala a crônica do período, escrita pela maioria dos analistas da economia.

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