São Paulo, sexta-feira, 6 de outubro de 1995
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Do azar de não ser roqueiro

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Há dez dias fiz aqui uma constatação sobre o Congresso: deputados e senadores não sabem usar o poder de que dispõem. Sob os militares, os parlamentares faziam dieta compulsória. Agora, têm diante de si um banquete de poderes e atribuições. E submetem-se a um jejum hediondo.
Procurador-geral da Câmara, o deputado Bonifácio de Andrada abespinhou-se. Em ``defesa da imagem" da Casa e de seus membros, mandou carta ao jornal. Disse que fui ``ofensivo" à instituição e atingi ``a honra das pessoas físicas que a compõem".
Após um primeiro semestre fecundo, o Congresso entregou-se ao ritmo leniente de sempre. Afirmei que ``não legisla senão em causa própria, como demonstrado na legislação eleitoral".
Andrada, o cioso, rebate. Diz que a lei, feita para regular o pleito municipal, não serviria aos interesses de deputados e senadores. Recomenda-se que olhe à sua volta. Encontrará mais de cem parlamentares candidatos a prefeito.
O Legislativo também abdicou de suas funções fiscalizadoras. Mencionei o caso do Banco Econômico como evidência de que os parlamentares não fiscalizam o Executivo como deveriam.
E Andrada, o zeloso: ``Esquece-se o jornalista que a fiscalização das instituições financeiras é da competência única do Banco Central do Brasil e do governo".
Esquece-se o deputado que é seu dever vigiar os calcanhares do Executivo. Entre outras coisas, para saber por que o Banco Central não interveio no Econômico em tempo de evitar prejuízos a brasileiros de boa-fé.
Andrada, o cuidadoso, achou ``infeliz" o título do artigo: Legislatolo. Tem razão. A julgar pelo conteúdo de sua carta, a instituição é também cega. O procurador recomenda, de resto, atenção para o fato de que o Congresso é a ``instituição básica do regime democrático". Não preciso que me diga. Peço que transfira o alerta a seus pares. Alguns não honram o voto recebido.
Se tivesse a sorte de ser roqueiro, faria do artigo uma música. Só para que Andrada tentasse censurá-la, como fez com a canção do Paralamas. Faturaria uns caraminguás. Mas como Deus não me deu boa voz nem talento para a guitarra, resta-me torcer para que o deputado encontre melhor ocupação.

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