São Paulo, sábado, 7 de outubro de 1995
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"Ser informado é ser livre"

RUBENS RICUPERO

Esta manhã, em Genebra, assisti à inauguração da Telecom, a maior exposição e conferência mundial sobre telecomunicações, que se realiza a cada quatro anos.
Ao visitar estandes de aparelhos capazes de ajudar os deficientes físicos a superar muitas das suas limitações ou ao ouvir descrever como se poderá fazer compras sem sair de casa, lembrava a frase que me impressionou anos atrás.
Foi Norbert Wiener, o matemático pai de boa parte da ciência da informação, que disse que "ser informado é ser livre". Da primeira vez que li a frase, senti sua força, mas não entendi bem. Que ligação haveria, no fundo, entre informação e liberdade?
Só depois percebi o sentido da afirmação de Wiener. Ser livre é poder escolher, mas, para isso, é preciso saber quais são as opções; em outras palavras, é preciso ter informação.
Se isso é verdade, como é possível ser livre num país como o Brasil, onde é tão racionado o acesso à informação -não só pelo atraso tecnológico, mas, sobretudo, por um sistema educacional precário e, sob certos aspectos, em retrocesso?
A associação de idéias me levou a recordar outra frase, esta ouvida, em tom jocoso, do então chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, numa reunião diplomática em Santa Cruz de la Sierra.
Comentando sua passagem quando jovem pela Embaixada do Brasil na Bolívia, dizia o ministro que, na época, ao buscar explicar o nosso subdesenvolvimento, achava que os brasileiros éramos inteligentes, mas não tínhamos a ética do trabalho.
Algumas décadas e muitas viagens depois, chegara a outra conclusão. Comparados aos demais povos, até que trabalhávamos muito e sob condições climáticas pouco propícias. O problema é que éramos burros!
É claro que burro, aqui, não é usado para estigmatizar uma espécie de estupidez inata e herdada. O que se quer dizer é que a burrice nos vem da falta de informação, e esta decorre, por sua vez, de uma educação de qualidade cada vez mais medíocre, incapaz até de fornecer-nos o instrumento básico de conhecimento do mundo, que é o manejo das línguas de comunicação internacional.
Neste ponto, os povos são como os indivíduos: os deseducados e desinformados têm muito mais dificuldade em resolver seus problemas, simplesmente porque, entre outras razões, ignoram até a existência de opções.
Veja-se, por exemplo, a Coréia do Sul, que fez burradas tão grandes como as nossas ao afundar bilhões em megaprojetos petroquímicos nos anos 70. Só que, em contraste conosco, os coreanos sempre souberam corrigir os erros antes que fosse tarde.
Assim, em 1980, ao sentirem que os juros internacionais começavam a subir, eles saíram do mercado no momento em que decidíamos mergulhar nele de cabeça.
A qualidade da informação e da vida intelectual tem a ver mais com o rigor e a qualidade da educação do que propriamente com o nível do desenvolvimento. Se não fosse assim, como explicar que a Rússia do obscurantismo e dos servos da gleba tivesse sido capaz de produzir, a poucos anos de distância, Tolstói, Dostoiévski e Tchekov?
Nós mesmos faríamos bem, para colocar em perspectiva o que nos trouxe e deixou de trazer o progresso material, em evocar o que foi a vida intelectual e pública do Brasil da primeira década do século. Naquela época em que importávamos até manteiga, quando grassava a febre amarela e a expectativa de vida não alcançava os 40 anos, eram contemporâneos Machado de Assis, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, o barão do Rio Branco, Euclides da Cunha, Oliveira Lima, Capistrano de Abreu, Clóvis Bevilacqua, Graça Aranha, Rodrigues Alves, Lima Barreto, para só citar alguns dos maiores.
Um deles, Domício da Gama, assim se queixava, em carta, do desaparecimento da grande trindade da época: "Machado de Assis, Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco fazem falta ao meu coração de brasileiro confiante no futuro de uma nação que teve dessas inteligências".
O sistema educacional que desenvolveu essas inteligências era, como observou Jacques Lambert em "Os dois Brasis", elitista, mas capaz de produzir gente comparável aos grandes contemporâneos europeus. Hoje, ganhou-se em expansão (que é ainda insuficiente), mas perdeu-se em qualidade.
Até há pouco, pareceria impossível dar o salto qualitativo que passou a nos separar, desde então, da educação universitária nos EUA e na Europa. A revolução que juntou os computadores e as telecomunicações permite-nos, agora, queimar essa etapa.
Mas será possível fazê-lo com um tipo de educação que, tendo fracassado em vencer o analfabetismo do passado, se vê hoje ameaçada pela nova variante do analfabetismo tecnológico, gerador de marginalização para povos e indivíduos?

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