São Paulo, sábado, 7 de outubro de 1995
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A farsa da intervenção

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

Foram necessários nove longos meses de intervenção do BC (Banco Central) para, enfim, as lideranças políticas de São Paulo acordarem para a agressão que vem sendo praticada contra o Banespa desde 30 de dezembro de 1994, último dia útil do meu governo.
Já naquela data, adverti que a intervenção era um ato meramente político praticado covardemente contra o povo de São Paulo. Vejo finalmente a mobilização de deputados federais e senadores de São Paulo, de todos os partidos, para pôr fim a essa intervenção, somando-se a eles o governador Mário Covas (que, a princípio, aceitou a intervenção, mas que hoje entende os motivos de minha indignação), e torço para que essa novela esteja perto do seu final.
Os que apoiaram a intervenção inicialmente imaginavam que ela seria creditada, exclusivamente, à minha atuação como governador. Agora sabem que as dificuldades enfrentadas pelo Banespa advêm de outros governos.
Ao longo do meu mandato, nenhuma dívida nova com o banco foi contraída. Fiz, na verdade, a renegociação das dívidas assumidas nos governos Paulo Egydio (0,7%), Paulo Maluf (15,3%), Franco Montoro (46,5%) e Orestes Quércia (37,5%), tendo pago, até dezembro do ano passado, US$ 1,3 bilhão. Apesar disso, a dívida cresceu porque os juros cobrados eram e são maiores do que as prestações pagas.
A intervenção desgasta o Banespa a cada dia, afasta novos clientes e preocupa correntistas e funcionários. Já foram fechadas 400 mil contas. Amarrado, hoje o banco não tem condições de desenvolver ações de fomento do desenvolvimento de São Paulo, do qual sempre foi parceiro. O que se esperava da intervenção não foi feito.
Se a dívida de US$ 9 bilhões que o governo do Estado tinha com o Banespa quando deixei o cargo de governador era um câncer que precisava ser extirpado, hoje, nove meses depois de uma terapia irresponsável, esse câncer cresceu, chegando a US$ 13,5 bilhões por conta das altas taxas de juros e da demora em resolver a situação.
O relatório da intervenção no Banespa, que deveria ser essencialmente técnico, transformou-se numa peça política. Exemplos disso não faltam, mas alguns destacam-se pela clara intenção com que foram praticados.
O balancete do Banespa de 1º de janeiro a 30 de junho de 1995 mostraria que a intervenção do BC foi desastrosa. Tanto foi desastrosa que, nesse período, o governo do Estado tornou-se inadimplente por absoluta falta de resposta do BC às várias propostas que foram feitas para quitar parte da dívida que estava sendo paga até dezembro.
O atraso de mais de 60 dias no pagamento da dívida do governo com o Banespa, no primeiro semestre de 95, conduziu o banco ao quadro de patrimônio líquido negativo. Como o BC não quis admitir que a intervenção levou o Banespa a essa situação, mudou-se a conclusão do relatório. Fez-se retroagir o lançamento do patrimônio líquido negativo de junho de 95 para dezembro de 94, contrariando as normas bancárias, já que, em dezembro, o Estado estava em dia e só não fora paga a parcela da dívida vencida no dia 15 daquele mês.
Só que, na pressa de fazer o jogo político, esqueceram-se de que o balancete de 31 de dezembro de 94 também constava das páginas 412 a 433 do mesmo relatório. Nesse balancete, registra-se o patrimônio líquido positivo de US$ 1.768.448.378,07 e o lucro do Banespa em 1994, que foi de US$ 175 milhões. Afinal, qual dos dois balancetes é o verdadeiro?
Além disso, o BC usa dois pesos e duas medidas ao analisar a situação do Banespa e a do Banco do Brasil, que são credores de parte da dívida externa brasileira.
Enquanto o Banco do Brasil foi autorizado a lançar seus títulos pelo valor integral de face, o Banespa foi obrigado a fazer uma provisão como se o governo brasileiro não fosse pagar esses títulos, estimados em cerca de US$ 1,2 bilhão, o que gerou uma depreciação de até 40% no valor.
Não se deve misturar técnica com política, mas isso foi feito pelos responsáveis pela intervenção, inclusive no relatório final apresentado. E, como ações políticas devem ser enfrentadas com ações políticas, não se pode agora permitir que um Estado como São Paulo se renda, calado, ao que o BC pretende impor ao Banespa.
Num momento em que toda a bancada federal paulista está buscando uma solução para a intervenção, não podemos aceitar diretores do BC afirmando que isso é misturar técnica com política. Afinal de contas, quem primeiro misturou a técnica com a política foram eles.

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