São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Reforma dos números

JANIO DE FREITAS

Passada em vão toda a semana desde a promessa, feita pelo presidente Fernando Henrique e pelo novo presidente do Incra, de divulgação dos dados comprováveis da reforma agrária neste ano, vamos a algumas cifras esclarecedoras por nossa conta.
O levantamento, para quem não se recorda do seu motivo, foi pedido pelo senador Eduardo Suplicy, em razão de nota nesta coluna, para esclarecer a controvérsia entre os assentamentos mencionados pelo presidente (15 mil, 12 mil e 17 mil), pelo Incra (22 mil) e pelo Movimento dos Sem-Terra (menos de 4 mil). Este último deu maior precisão ao seu dado há dois dias: 3.803 assentamentos foi tudo o que o governo fez dos 40 mil que prometeu para este ano.
Bem, o Orçamento da União para 95 autorizou o gasto de R$ 978,894 milhões pelo Incra. Deste quase um bi, o governo só empenhou em novos assentamentos, propriamente ditos, até a semana passada, R$ 15,479 milhões. Ou 1,58% da verba total autorizada para o Incra.
Mesmo que não seja exato o número de assentamentos citados pelo Movimento dos Sem-Terra, não estará distante da realidade. Porque, embora se ignore o custo real de cada assentamento, é impossível que ficasse em apenas R$ 703, como precisaria acontecer para os 22 mil referidos pelo Incra. E não é menos impossível que cada um custe os R$ 1.031 compatíveis com os 15 mil assentamentos autoatribuídos por Fernando Henrique.
Na falta de reforma agrária, o governo faz reforma nos números.
Reprise
As peculiaridades do raciocínio do ministro Reinhold Stephanes já são bem conhecidas desde o seu projeto de reforma da Previdência, a primeira das emendas constitucionais apresentadas ao Congresso pelo governo e até hoje entalada no seu excesso de desatino. Mas o arsenal do ministro não se esgotou. Parte ele, agora, para aumentar em algumas centenas de milhares o quase milhão e meio de ações que correm na Justiça contra a Previdência.
O governo, segundo Stephanes, enviará projeto ao Congresso para obter verba com que corrigir 250 mil a 300 mil aposentadorias e pensões que, concedidas entre setembro de 91 e o fim do ano passado, tiveram seus valores prejudicados por correções distorcidas. ``Mas", adverte o ministro, ``não se pagará nada retroativo, porque não houve pagamento irregular". Se não houve, o que há a regularizar agora?
O próprio Stephanes expôs os casos de dois aposentados que, tendo contribuído ambos pelo máximo, vêm recebendo aposentadorias diferentes. Logo, se o governo reconhece a dívida para o futuro, pretendendo eliminá-la com o projeto prometido, tem a mesma dívida para atrás, a partir da tal distorção de cálculo. Dívida que, se não paga, vai abarrotar ainda mais a Justiça com processos de cobrança que o prejudicado nem sempre vê concluídos no tempo de sua vida (é uma das muitas contribuições da Justiça para a injustiça).
O conflito de Stephanes, também se sabe, não é só com o reconhecimento de direitos alheios. Estende-se aos números, como já se viu. E se é obrigado a ver outra vez. Por suas contas, a correção das 250 mil a 300 mil aposentadorias e pensões exige que o Congresso autorize para a Previdência mais R$ 2,4 bilhões em 96. Ou gastos a mais de R$ 200 milhões por mês, que, divididos pelos beneficiários, dariam acréscimos entre R$ 666 e 800 para cada um. Desse modo, a correção ``de 10% a 15%" resultaria em mais do que os 100% de cada uma das atuais aposentadorias, em média.
Não é à toa que as aposentadorias e pensões pagas pela Previdência deviam figurar como tema, não do Direito Previdenciário, mas do Direito Criminal.

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