São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gasto oficial representa cerca de um terço do real

VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Folha conversou com um caixa de campanha que atuou nas últimas eleições. O seu relato, feito sob a condição do anonimato, mostra que o valor gasto pelos candidatos é, no mínimo, o triplo do que foi declarado oficialmente.
Ele cita o seu caso particular. A campanha que coordenou para governador foi modesta, segundo ele próprio. Consumiu perto de R$ 3 milhões. Em bônus, porém, declarou ter gasto R$ 1 milhão.
Seu candidato foi derrotado. O vencedor, pelas informações que obteve, gastou R$ 10 milhões. Declarou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) R$ 3 milhões.
Ele diz que a fantasia dos dados oficiais é resultado do ``caixa dois" das empresas -os recursos obtidos sem cobertura legal. Como não pode ter sua origem comprovada, o dinheiro é doado sem bônus.
Segundo o caixa de campanha, o grosso das contribuições das grandes empreiteiras chegou aos cofres dos candidatos sem a contrapartida do bônus.
Ou seja, o que está registrado oficialmente no TSE é apenas a ponta do iceberg.
Há uma exceção. A presidência da Construtora Norberto Odebrecht, preocupada com as denúncias de seu envolvimento no escândalo Collorgate, decidiu que só faria doação em troca de bônus.
Outra fonte da qual jorrou dinheiro, mas que pediu para não ser identificada, foram as multinacionais. Doaram, mas pediram explicitamente para não receber bônus. Algumas, sem qualquer participação acionária de brasileiros, optaram pela contribuição anônima por impedimento legal.
O caixa de campanha que conversou com a Folha diz ter recebido doações de pelo menos duas multinacionais, uma americana e outra argentina. Algumas montadoras, segundo ele, também doaram recursos na eleição. Mas não quiseram sair do anonimato.
Os recursos doados sem bônus, como têm origem no ``caixa dois" e vêm sempre em dólar. Nada em real. Em moeda nacional são feitas apenas as contribuições oficiais, que serão registradas na contabilidade da campanha.
As grandes contribuições vêm, em sua maior parte, de empresas paulistas. Segundo o caixa de campanha ouvido pela Folha, o movimento noturno de jatinhos durante as eleições, nos aeroportos paulistas, é frenético.
É comum assistir a cenas de pessoas descendo dos jatos de mãos vazias. Depois, retornam aos aeroportos carregando as famosas pastas 007 recheadas de dólar.
Cada grande grupo tem um esquema próprio para dirigir suas doações de campanha.
As grandes empreiteiras fazem contribuições individuais, normalmente para vários candidatos. Mas os valores maiores vão para os favoritos.
Já as pequenas e médias fazem reuniões em suas associações e fecham uma lista de candidatos. O mesmo ocorre nas instituições financeiras. Segundo o caixa de campanha, os bancos se reúnem e fecham a lista de candidatos.
Nessas reuniões, decide-se quanto cada banco doará. Outro setor que fecha cotas de contribuição por empresa é o da indústria da construção civil.
Já os fornecedores do governo aproveitam as eleições para cobrar faturas atrasadas. O caixa de campanha diz que esses fornecedores sempre procuram os candidatos oficiais, aqueles apoiados pelos governadores.
A conversa evolui sempre do mesmo jeito: as empresas insinuam o interesse, mas condicionam eventuais doações ao pagamento de faturas atrasadas nos diversos Estados.

Texto Anterior: Kara tem 1.653 doações de R$ 100; Aleluia telefona para os amigos
Próximo Texto: Pertence defende financiamento público
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.