São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Consórcio modular na VW: um novo modelo de produção?

RUY DE QUADROS CARVALHO; ROBERTO MARX

RUY DE QUADROS CARVALHO e ROBERTO MARX
Fábrica de Resende pode inaugurar nova etapa da indústria automotiva brasileira
A decisão de implantação da nova fábrica de caminhões da Volkswagen em Resende, com base no conceito de "consórcio modular", é um fato extremamente importante para a indústria automobilística brasileira.
Ela representa a primeira concretização de um conjunto de decisões de novos investimentos das empresas do setor, depois de anos de estagnação. Além disso, trata-se de um projeto cujas características não encontram nenhum paralelo em plantas estrangeiras.
Assim, possui esta planta um duplo caráter de ineditismo e ousadia, sem precedentes na história recente da indústria nacional. No entanto, os problemas para a transformação do conceito em uma fábrica real não podem ser subestimados.
Quando olhada dentro do quadro global, a decisão da VW ganha uma dimensão estratégica, não apenas para os seus negócios no Brasil, mas para o futuro de todo o grupo. O sucesso da fábrica de Resende pode significar um duplo feito, de grande alcance, no recente processo de reestruturação do grupo VW: 1) a consolidação de uma nova linha de produtos (caminhões e ônibus), que contribui para a diversificação do portfólio da VW mundial; e 2) a realização de uma inovação em processo (consórcio modular), que posteriormente poderá ser estendida a outras fábricas da VW.
Mas, afinal, o que é o "consórcio modular"? A caracterização do "consórcio modular" como um novo sistema ou modelo de produção só pode se valer da especulação, uma vez que o conceito jamais foi colocado frente ao teste da prática. Na experiência de Resende, nem mesmo o projeto do processo produtivo foi desenvolvido.
Conforme as linhas gerais anunciadas pela VW, o conceito de "consórcio modular" pressupõe a transferência para um pequeno número de fornecedores, de primeira linha, da maior parte das operações de montagem anteriormente a cargo da montadora.
Da parte desses fornecedores, isto requer sua presença física direta na fábrica para a montagem de conjuntos completos e sua integração ao produto final. Requer ainda uma maior participação na fase de desenvolvimento de novos produtos e processos, o que implica investimentos para a construção dos módulos (equipamentos e meios de produção). A VW se concentraria nas áreas de marketing/desenvolvimento de novos produtos e de relações com o mercado, além de exercer o papel de coordenação das atividades de engenharia de produto, engenharia de manufatura, engenharia de qualidade e da própria produção.
A partir desse conceito, a fábrica de Resende pode ser encarada como resultante do processo de evolução recente nas relações entre fornecedores e montadoras na indústria automotiva.
São três os marcos mais importantes dessa evolução. Com o "just-in-time", começa a se estabelecer uma real parceria entre as partes, na qual ambas passam a compartilhar objetivos comuns de produtividade e qualidade de projeto e operação. O fornecimento em módulos hierarquiza e reduz a cadeia de fornecedores diretos às montadoras.
Finalmente, a montagem compartilhada significa o fim da montagem convencional, conceito em que os fornecedores "entram na fábrica" e se envolvem mais profundamente com os riscos do próprio negócio de montagem.
Experiências parciais dessa última tendência já têm sido observadas em outras plantas no Brasil e no exterior. A fábrica de Resende pode ser vista como uma iniciativa radical nessa mesma direção.
O desdobramento do princípio da montagem compartilhada parece significar a transferência, para terceiros, daquilo que caracterizou a essência da organização e da estratégia de manufatura da indústria automotiva no século 20, ou seja, a linha de montagem.
Nesse sentido, trata-se de uma ruptura, que pode trazer mudanças cruciais para a estrutura de organização do setor, em escala global. À medida que determinados produtores de autopeças passem a assumir atividades de montagem e integração de módulos completos do produto final, articulando os seus próprios fornecedores, aponta-se para uma diferenciação de papéis.
Assim, os fornecedores consorciados podem vir a se constituir em um novo segmento de empresas dentro da cadeia produtiva. No entanto, a experiência mundial sugere que as empresas com grande capacidade financeira e tecnológica e presença global são aquelas com maior chance de aproveitar esta oportunidade.
Isso remete para os desafios que a nova fábrica da VW terá no Brasil. São poucos os produtores de componentes automotivos, instalados no país, que têm as características citadas acima. Além disso, essas empresas não têm experiência na atividade de montagem de ônibus e caminhões e tampouco têm operado como fornecedores de subconjuntos completos de autopeças.
Finalmente, as relações entre fornecedores e montadoras no Brasil, no geral, têm tido um caráter mais adversarial do que de confiança.
Portanto podem-se visualizar algumas das iniciativas que serão necessárias na fase de implantação do empreendimento. A preparação dos fornecedores para operar atividades de montagem exigirá a transferência de tecnologia por parte da VW, na forma de um programa de treinamento cuidadoso.
O desenvolvimento da capacidade integradora dos fornecedores e de sua articulação entre si e com o restante da cadeia também deverá ser contemplada.
Por todos esses aspectos, a fábrica de Resende pode vir a inaugurar uma nova etapa para a indústria automotiva brasileira. Embora trazendo riscos, sobretudo para os produtores nacionais de autopeças, a montagem compartilhada também traz oportunidades. Se bem-sucedida, poderá levar a uma significativa alteração nas empresas envolvidas. Essa experiência pode ainda influir positivamente nas relações interfirmas em outras cadeias produtivas.

RUY DE QUADROS CARVALHO, 42, doutor em Economia do Desenvolvimento pelo Instituto de Estudos em Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra) e professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É autor de "Tecnologia e Trabalho Industrial" e "Automação e Trabalho na Indústria Automobilística".

ROBERTO MARX, 37, doutorando e professor do Departamento de Engenharia de Produção e membro do Grupo de Estudos em Trabalho, Tecnologia e Organização da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo).

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