São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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O desacordo sobre os acordos na locação

VALDIR DE ARRUDA MIRANDA CARNEIRO

A ação revisional de aluguel -do artigo 19 da lei 8.245/91- tem por finalidade o ajustamento do preço da locação ao seu valor de mercado, mediante arbitramento judicial, sempre que transcorridos três anos do início do contrato ou do último acordo.
Questão muito tormentosa, desde os tempos da lei 6.649/79, é aquela relativa à exata extensão da expressão ``último acordo", utilizada pelo legislador como termo interruptivo do prazo para aquisição do direito à revisão.
Ante a falta de expressa indicação legal, nossos tribunais manifestaram (e ainda hoje manifestam) enorme divergência em relação à questão, ora considerando interruptivos do referido prazo qualquer espécie de acordo, ora apenas os que tenham atualizado o aluguel aos níveis de mercado.
Após coligir vários julgados de diversos tribunais do país, há poucos anos verificamos que a segunda corrente era a mais prestigiada.
Com a criação do STJ (Superior Tribunal de Justiça), a discussão se acirrou. Isso porque esse tribunal perfilhou o entendimento -até então menos aceito- segundo o qual mesmo um mínimo ajuste, além dos índices oficiais de reajustamento, já configuraria acordo interruptivo do prazo da revisional.
Não cedendo à interpretação do STJ, os tribunais dos Estados continuaram a manifestar sua contrariedade, avolumando os recursos que terminavam por ser providos apenas em Brasília.
Mas o problema continuava o mesmo, pois os argumentos da corrente recepcionada pelo STJ permaneciam pouco convincentes.
É verdade que a lei não precisou a exata acepção do vocábulo ``acordo". Contudo, querer extrair disso a conclusão de que, pela falta de especificação, teria o legislador se referido a qualquer acordo é claro erro de interpretação, pois a explicitação se encontra inserida na finalidade da revisão (ajustar o aluguel ao preço de mercado).
Além disso, se levarmos a idéia do ``qualquer acordo" ao extremo, chegaremos ao absurdo de concluir que mesmo o acordo no qual o locador reduzisse o aluguel em favor do locatário teria o efeito interruptivo de tal prazo. Difícil crer que o legislador tenha pretendido cometer tal contra-senso.
Por isso, é necessário recorrer a uma exegese lógico-sistemática e concluir que, se a ação revisional de aluguel visa ajustar o locativo ao preço de mercado, somente os acordos que alcançarem essa finalidade poderão ser considerados interruptivos do prazo trienal.
Aliás, a única razão para ter o legislador equiparado, no referido artigo 19, o início do contrato ao último acordo, é a de existir entre esses dois termos equivalência de conteúdo. Isto é, ter julgado o legislador que no último acordo o aluguel voltaria a ser como no início do contrato, ou seja, compatível com o de mercado.
Agora, contudo, o STJ parece começar a dar sinais de melhor compreensão da questão.
Recentemente, decidiu que ``o objetivo da ação revisional é ajustar o aluguel ao preço de mercado de forma a restabelecer o equilíbrio inicial do contrato.
Assim, havendo acordo entre as partes sem que o locativo atinja o `preço de mercado', não estará o locador obrigado a aguardar o decurso do prazo estabelecido em lei, a contar de tal acordo, para poder vindicar aumento através de ação revisional" (Resp. 57.867-1-SP, 6ª Turma do STJ, v. u., j. 9.5.95, rel. Adhemar Maciel, DJU 05.6.95, p. 16.692 e BDI 22/07, Ago/95).
Embora a modificação da orientação esteja relacionada à mudança da competência para julgar questões relativas à locação no STJ -da 3ª e 4ª turmas para a 5ª e 6ª (Emenda Regimental nº 2)-, é evidente o mérito e a importância da nova postura, que, certamente, fará jus a muitos elogios.

WALDIR DE ARRUDA MIRANDA CARNEIRO, 31, é advogado em São Paulo, autor do livro ``Teoria e Prática da Ação Revisional de Aluguel", entre outros, e titular do escritório Arruda Miranda Advogados.

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