São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Vírus pode causar câncer em aidético

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Têm sido tantas nos últimos meses as pesquisas e contribuições sobre o sarcoma de Kaposi (KS), tumor muito virulento e não raro fatal que ataca 20% dos aidéticos, que o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI) decidiu convocar conferência especial sobre o assunto, a qual se realizou entre 5 e 6 de junho na sede da instituição em Bethesda, Maryland. ("Science", 268, 1847).
O tema que mais se destacou e mais debates suscitou foi a descoberta, publicada naquela revista a 16 de dezembro de 1994, de um possível vírus de natureza herpética ligado ao Kaposi e diferente do HIV, o vírus da Aids.
Os autores da descoberta são Yuan Chang e Patrick Moore, da Universidade Columbia (EUA). Os pesquisadores não identificaram propriamente o vírus, mas diversas sequências de seu DNA em lesões de Kaposi em pacientes de Aids, porém não em não-pacientes.
Assim confirmaram suspeitas, antes manifestadas, de que o HIV não deveria ser o agente causal da KS. A descoberta de Chang e Moore foi verificada também em outros laboratórios, mas houve vozes discordantes, que, todavia, com o tempo se calaram.
O reconhecimento da descoberta teria sido facilmente aceito na conferência, não fosse a intervenção de Robert Gallo, do NCI, que contestou a descoberta com veemência, como é aliás de seu temperamento combativo.
Gallo possui atualmente um laboratório muito bem equipado para estudo do herpes. Foi ele quem demonstrou que a roséola infantil é provocada por um vírus herpético (HHV 6). Ao alegado novo vírus, deu a sigla HHV 8.
Para ele, esse vírus não é causa do KS. Se tal ocorresse, raciocina ele, tratar-se-ia de vírus pouco ortodoxo, pois o KS na Aids se encontra exclusivamente em homossexuais masculinos e só raramente aparece em mulheres ou viciados em drogas por injeção, infectados pelo HIV. Ora, como os vírus do herpes facilmente se espalham nas populações, não seria de esperar que o do KS se mantivesse tão restrito.
Além disso, afirma Gallo, o suposto novo vírus não aparece numa linhagem celular por ele mantida em seu laboratório. Essa linhagem causa, entretanto, lesões suspeitas de KS em camundongos. Da opinião de Gallo participam outros especialistas. Mas Chang e Moore têm a seu lado muitos outros cientistas e a confirmação da presença do vírus em linhagens de KS. Para Stevens Miles, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), o novo vírus é indiscutivelmente o causador do KS.
Mas a conferência não se limitou a debater o novo vírus, porém também cuidou de tratamento do KS, para o que se têm experimentado vários meios, seja de aplicação tópica ou sistêmica, figurando entre esses últimos o foscarnet, poderoso agente anti-herpético.
O laboratório de Gallo promoveu o uso da gonadotrofina coriônica humana, hormônio que desempenha papel na gravidez e cura lesões de KS em camundongo.
Outros recursos terapêuticos propostos consistem nos meios convencionais utilizados no câncer e no bloqueio da ação das citocinas, mensageiros imunológicos que, segundo alguns, provocam a proliferação da células do KS.
Também foi recomendado o uso da talidomida, banida como sedativo e hipnótico. Outro tipo de tratamento repousa no uso de agentes inibidores da angiocênese, isto é, da formação de novos vasos sanguíneos.

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