São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Navios afugentam golfinhos

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os golfinhos de Fernando de Noronha, vendidos como principal atração turística do arquipélago, estão fugindo do assédio dos turistas. Em questão de anos ou décadas, os animais podem deixar de frequentar a baía que leva seu nome, se aqueles que querem vê-los continuarem a fazê-lo com a mesma intensidade que fazem hoje.
Isso é o que afirma um estudo ainda inédito, intitulado ``Comportamento e Dinâmica da População dos Golfinhos Rotadores (Stenella longirostris) no Arquipélago de Fernando de Noronha", concluído no mês passado pelo oceanógrafo José Martins da Silva Júnior, 32, e pelo biólogo Flávio José de Lima Silva, 30.
Ambos estudam os hábitos dos golfinhos de Noronha desde 1990. No relatório em que reuniram os dados de observação do último ano (de maio de 94 a maio de 95), concluem que os animais tendem a abandonar o arquipélago, se não forem tomadas medidas severas de restrição ao turismo no local.
A pesquisa, feita com recursos do Centro Golfinho Rotador, organização não-governamental que depende de licença anual do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), consumiu 1.656 horas e 41 minutos de observação dos golfinhos, ao longo de 270 dias.
Dessas, 1.374 horas foram gastas com observações feitas em terra, a partir do ``mirante", um local privilegiado que fica no alto do penhasco em frente à baía dos Golfinhos. Outras 253 horas foram utilizadas com observações feitas em saídas de barco, e as 29 horas restantes, consumidas em mergulhos na baía, quando um dos dois pesquisadores ficou em contato direto com os animais.
Um dos mitos que o estudo procura demolir é muito propalado pelas agências de turismo e diz que golfinhos gostam e procuram o convívio humano.
Alguns animais acompanham os barcos durante minutos, nadando em alta velocidade a poucos centímetros da proa. Costumam saltar até dois metros acima da superfície e girar no ar em torno de seu próprio eixo (daí o fato de serem chamados ``rotadores").
Depois de observar de forma exaustiva esse hábito dos golfinhos, os dois pesquisadores concluíram que se trata, antes de tudo, de uma estratégia de fuga e proteção do grupo a que pertencem.
Os golfinhos que rodeiam as embarcações são, em mais de 90% dos casos, machos e adultos. Enquanto atraem a atenção dos turistas, o bando que protegem escapa por outra rota, passando às vezes a quilômetros de distância.
``Em 94% dos casos em que foi possível identificar os animais, eram machos adultos que acompanhavam os barcos. Às vezes havia uma ou outra fêmea com seu filhote, mas isso provavelmente se deve ao fato de ela não conseguir acompanhar o grupo principal e preferir esperar pelos machos para se juntar aos demais em alto-mar", diz Martins da Silva.
Há outros dados que corroboram a hipótese dos pesquisadores. Segundo o relatório, a frequência com que os golfinhos acompanham as embarcações vem decrescendo ano após ano.
Em 1990, quando começaram seus estudos, a dupla de pesquisadores constatou que os golfinhos seguiam 80% dos barcos que passavam em frente à baía. Em 1995, esse percentual caiu para 15%. ``Os golfinhos já perceberam como funciona a rotina do turismo e estão mudando seus hábitos para fugir do assédio dos barcos.
A taxa de ocupação média da baía pelos golfinhos -índice que relaciona o número de animais e o tempo em que permanecem no local- também está caindo. Os golfinhos estão indo em menor número e ficando menos tempo no espaço que usam para descansar, reproduzir e cuidar dos filhotes.
Entre maio de 94 e maio de 95, o número médio de golfinhos que se dirigiu à baía foi de 189 animais por dia. Entre 1990 e 1992, a média era de 240 por dia.
O principal alvo do estudo são os cruzeiros transatlânticos que costumam ancorar em Noronha durante os meses de janeiro e fevereiro, levando para lá cerca de 500 turistas que passam o dia inteiro na ilha e vão embora ao anoitecer.
Nos dias em que os navios ancoram em Noronha, o número de embarcações com turistas que se dirigem à baía quadruplica. O impacto disso sobre o comportamento dos golfinhos foi medido no verão deste ano pelos pesquisadores.
Como os golfinhos costumam entrar na baía às 6h, antes de os navios chegarem a Noronha, os efeitos só se medem no dia seguinte, quando os navios já partiram. ``Os golfinhos evitam a baía no dia seguinte ao da visita dos grandes navios. A população de animais cai até pela metade, e eles permanecem menos tempo do que costumam ficar no local em dias normais", diz Martins da Silva.
Segundo ele, ``os navios proporcionam um turismo de tipo predatório, em completa desarmonia com a finalidade ecológica que o turismo em Noronha deveria ter. Se isso não mudar, os golfinhos irão procurar outro lugar".
O acesso à baía dos Golfinhos está proibido aos turistas desde 1986. Uma portaria do Ibama de janeiro deste ano intensificou a proteção aos animais, impondo regras rígidas aos barcos turísticos.
Apesar disso, os pesquisadores acham que as medidas são insuficientes. Defendem que, nos dias em que os transatlânticos ancorarem em Noronha, toda a área do Parque Nacional Marinho, no interior do qual está a baía, seja interditada para visitação pública.
É isso o que irão defender em Orlando (EUA), em dezembro próximo, quando apresentam os resultados de seu estudo na 11ª Conferência Bienal de Biologia de Mamíferos Marinhos.

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