São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Mercenário se considerava `rei' de Comores

Libération
De Paris

ALAIN LEAUTHIER

Após 30 anos de lutas, Bob Denard, o mais célebre mercenário das Ilhas Comores, teria gostado de passar seus últimos dias em uma bela casa na capital Moroni, cercado de amigos, desfrutando os rendimentos obtidos de empresas lucrativas e de bens imóveis.
No último dia 28 de setembro, ele e alguns de seus homens depuseram o presidente comorense, Said Mohamed Djohar. O golpe não deu certo. Os franceses invadiram as ilhas, prenderam Denard e o levaram de volta à França.
``Bob", ``Coronel" ou ``Velho", como costuma ser chamado por seus companheiros, chegou a Comores, um minúsculo ponto no mapa-múndi e a última etapa de suas aventuras africanas, em 1978. Logo se converteu ao islamismo e adotou o nome de Mustafá.
Ele se via como rei das Comores. Vivia à sombra do então presidente Ahmed Abdallah, dirigindo a guarda presidencial com alguns de seus fiéis companheiros.
O conflito de competências entre esse dois chefes chegou ao fim num banho de sangue, em 26 de novembro de 1989.
Enquanto a oposição atacava o palácio presidencial, Abdallah era morto em seu gabinete, com uma rajada de balas no ventre.
A seu lado estavam o "Velho" e dois de seus subalternos mais fiéis, Dominique Malacrino e Jean-Paul Guerrier.
A França enviou suas tropas às minúsculas ilhas para pôr fim ao golpe, e Denard se refugiou na África do Sul até 1991, perdendo todos os seus bens tão ``arduamente conquistados".
Sua terra natal, a França, acabava de abandoná-lo. No entanto, havia sido ela que, em 1978, lhe pedira para apoiar Abdallah e afastar pretendentes menos sensíveis aos interesses nacionais.
Denard lutou como um soldado obediente, mas utilizando métodos, conhecimentos e uma relativa liberdade de mercenário.
Sua carreira de "cão de guerra" começou para valer em 1960, nos combates fratricidas que culminaram na independência do ex-Congo Belga (atual Zaire).
Depois, lutou no Iêmen. Transportou armas e mantimentos em Biafra. Em 1974, estava no Curdistão, região no norte do Iraque ocupada por separatistas curdos. Dois anos depois, em Angola.
Ganhou alguns ferimentos e foi descrito por seus inimigos como sanguinário e brutal. Denard afirmava que defendia a África contra o avanço do comunismo e contra as ambições das potências estrangeiras, mas que no fundo sempre agiu em benefício da França.
Em março de 1993, seu processo num tribunal de Paris confirmou seus sólidos e antigos vínculos com o serviço secreto francês.
A tentativa de golpe no Benin, contra o governo de Mathieu Kérékou, pela qual Denard era julgado, ilustrou seu status de militar sem normas e sem hierarquia.
Denard agia por conta de governos "amigos da França", como Marrocos e Gabão. O marroquino Hassan 2º e o gabonense Omar Bongo forneciam o dinheiro. A França, os equipamentos.
Durante o mesmo processo, Maurice Robert, ex-embaixador francês e ex-coronel do serviço secreto francês, rendeu a Denard uma homenagem pública feita por um antigo "patrão".
"De início, ele colaborou conosco sem saber. Depois, nossa contribuição foi leal, honesta e desinteressada. Bob Denard sempre agiu a serviço do mundo livre".

Tradução de Clara Allain

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