São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Brasileiros esbanjam nos EUA

GILBERTO DIMENSTEIN

Embora aparentemente estranho, há um ótimo indicador da economia brasileira nos Estados Unidos. Envolve a cifra de US$ 1,2 bilhão e é tão bom quanto as estatísticas de IBGE, Dieese ou Ministério da Fazenda: um banco do Rockfeller Center, um dos cartões-postais de Nova York. Para obter a informação, basta ficar 30 minutos sentado. Não estou falando para entrar numa instituição financeira: banco, no caso, é banco de madeira mesmo.
Se o leitor passar por aqui, faça a experiência. Não é preciso ser economista ou falar inglês. Só não pode ser surdo. Foi usando o método "banco de dados" que reforcei uma opinião que já tinha no Brasil sobre a economia brasileira e confirmei minha tese de que a chiadeira dos empresários é desproporcional ao tamanho da crise.
Sentado no banco, você vai ver o número de turistas arrastando sacolas e falando alto em português. Poucas coisas impressionam mais os brasileiros do que o número de patrícios que encontram todos os dias em Manhattan. Aliás, por conta desse mercado, as empresas telefônicas estão contratando telefonistas fluentes em português.
Na Flórida, o "banco de dados" exige não mais do que cinco minutos de sensibilidade auditiva. Por sinal, está dificílimo alugar carro ou apartamento em Orlando, o paraíso Disney. Explicação de agências de turismo nos EUA: a onda de brasileiros para aproveitar o feriado do Dia da Criança.
Consultei departamentos de turismo do governo americano e cruzei com os dados da Associação Brasileira de Agências de Viagens, no Rio. Resultado: nunca tantos brasileiros gastaram tanto dinheiro nos EUA. Somos hoje o quinto maior grupo de turistas, o que mais cresce e mais gasta na Flórida.
Estima-se que, até 31 de dezembro, os viajantes brasileiros terão contribuído com US$ 1,2 bilhão para a economia americana. São 745 mil poltronas de avião ocupadas este ano. São sete estádios do Morumbi.
O brasileiro é um espécime gastador. Ele viaja com US$ 3.200 no bolso e gasta, em média, US$ 137,00 com alimentação e compras. O japonês gasta US$ 150,00.
PS - Essa correria a Orlando no Dia da Criança é um impecável retrato do apartheid social no Brasil. Enquanto os brasileiros viajam como japoneses, a maioria vive como sudanês. É um país em que crianças gastam numa semana em Orlando o que uma professora primária em São Paulo demora para ganhar em seis meses de trabalho.
A propósito, o ministro Paulo Renato disse no Banco Mundial, em Washington, durante a semana, que no Nordeste uma professora chega a ganhar US$ 30 por mês.

Já que se falou em criança, mais uma comparação trágica. Durante uma semana, terão morrido 5.000 seres no Brasil antes de completarem cinco anos. De fome. Se o governo Fernando Henrique Cardoso trabalhasse mais e melhor na área social, em pouco tempo esse número seria menor. Não é à toa que Betinho quer deixar a Comunidade Solidária.

O ministro Pedro Malan estará, amanhã, em Washington, no encontro do Banco Mundial e FMI. Seu prestígio já era alto no sistema financeiro internacional. Subiu ainda mais com os recentes números da inflação e da balança comercial, em meio à manutenção do crescimento.
A imagem dele melhorou, sobretudo, porque o sistema financeiro daqui acompanhou de perto as pressões que ele sofreu no Congresso (inclusive do PSDB) e do empresariado brasileiro, principalmente os paulistas, muito bem definidos por Gustavo Franco como "viúvas da inflação".
As pressões vieram também de certas áreas do governo, onde atuavam explicitamente Sérgio Motta e, implicitamente, como sempre, José Serra, com discreto aval de Clóvis Carvalho. Os três mais preocupados com eleição do que com inflação.
Entre funcionários de bancos que atuam no Brasil, Malan é visto como a principal âncora contra a inflação.

Harvard convidou Ciro Gomes para ficar mais tempo nos EUA. O ex-ministro diz estar "inclinado a aceitar o convite".

Por causa da viagem do papa João Paulo 2º aos EUA, descobri mais um curioso detalhe do feminismo americano. Fizeram uma pequena adaptação de gênero em Cristo. Para começar, foi rebatizado e ganhou o nome de Crista. Graças à escultora Edwina Sandys, sua imagem ganhou curvas mais finas e seios.

Certamente a idéia não agradou a todas as feministas. Na Penn State University, uma professora de inglês (Nancy Stumhofer) pressionou e conseguiu tirar uma reprodução de um quadro famoso de Goya ("Maja Nuda") pendurada em sua sala de aula. Sua justificativa: "Qualquer nu feminino estimula os homens a falar do corpo das mulheres".

Tenho recebido pelo e-mail uma frequente pergunta: o que mais gosto em Nova York? Resposta: a diversidade de tipos humanos. O contato produz coisas interessantíssimas. Por exemplo, perto de onde moro, descobri um restaurante chinês e vegetariano. Até aí, nada demais. Acontece que, além de chinês e vegetariano, também é ``kasher" (um tipo especial de comida consumida por judeus muito religiosos). No Soho, um restaurante chinês tem como garçons drag queens chinesas.
PS - Por falar em garçom chinês, restaurante e judeus, uma ótima piada sobre o iídiche, a língua dos judeus do norte da Europa que, claro, é muito falada aqui.
``Isaac vai ao restaurante de comida judaica e é servido por um garçom chinês. Para sua surpresa, o garçom que o atende fala um ótimo iídiche. Depois da refeição, ele procura o dono e pergunta: `Me diga uma coisa, como você conseguiu ensinar iídiche para um chinês?' Resposta: `Isaac, fala baixo. Ele pensa que está falando inglês'."

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