São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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Dois pesos e duas medidas

Antonio Ermírio de Moraes
O Brasil passou por várias decepções no julgamento de pessoas suspeitas e perigosas nos últimos três anos. A imprensa cumpriu o seu papel. As denúncias foram feitas com prontidão, precisão e coragem. Mas as batalhas jurídicas se arrastaram uma eternidade e, na prática, deram em nada.
É verdade que o país chegou a um impeachment presidencial e à cassação de alguns parlamentares poderosos. Nesse campo -o político-, missão cumprida.
Mas na área civil, com exceção da prisão de um aviador e um tesoureiro, nada aconteceu. A vida em Miami está permitindo um sossego invejável, com propriedades intactas e o dinheiro do banco rendendo como nunca.
Na última semana, vimos que nos Estados Unidos as coisas não são muito diferentes. Poucos têm dúvida dos atos de O. J. Simpson. Mas ninguém conseguiu satisfazer as exigências dos jurados sobre a culpabilidade do esportista.
O resultado aí está: o homem saiu-se livre e pronto para viver uma ``dolce vita" -por que não em Miami?, onde poderia trocar idéias e desenvolver teorias sobre como se livrar de crimes inocentáveis.
Mike Tyson teve outro destino. Apesar de ser também um herói nacional, como Simpson, pegou seis anos de cadeia pelo fato de a garota ter ``provado" que o propósito de sua visita ao apartamento do esportista, em plena madrugada, era apenas o de fazer crochê e não o de participar do que ocorreu.
A vida é assim. Uns têm sorte de presidente; outros têm sorte de aviador. Dois pesos e duas medidas.
O que estaria por trás disso? Ao que tudo indica, a Justiça norte-americana mostrou o quanto é sensível às pressões sociais. No caso de Tyson, sua companheira era negra. No caso de Simpson, era loira. E, a partir daí, os advogados do futebolista conseguiram transformar um crime passional num episódio da feroz tensão racial que domina aquele país.
O desentendimento entre brancos e negros parece ter se tornado uma doença crônica naquela sociedade. Até a Justiça parece se assustar na hora de enfrentar esse embate.
E no Brasil? Teria sido também uma questão de medo? Não descarto essa possibilidade (ou até mesmo de interesse), mas, no meu entender, são as filigranas jurídicas que permitiram aos culpados ilustres protelarem decisões e continuarem na sombra e água fresca, sem nada devolverem aos cofres públicos do tanto que pilharam.
É claro que o aparelho judicial de qualquer país está sujeito às pressões sociais. Mas deve haver um limite. Afinal, a Justiça é a base da democracia. Não se deve questionar as sentenças dos juízes. Mas cabe a pergunta: será que a conduta da Justiça, nos dois casos, elevou a confiança dos norte-americanos e brasileiros nas instituições de seus países?

Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.

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