São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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O berro que o gato deu

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Se o vigário do Lins fosse vivo, teria boa oportunidade para um de seus sermões sobre a degenerescência dos costumes e a falta do santo temor de Deus. Leio nas folhas que um cidadão, atraído sexualmente por uma sobrinha de 5 anos, tomou uma atitude radical, cortando o mal, literalmente, pela raiz.
Nem sei como continuar a história: campanha atualmente em vigor criou uma porção de nomes para designar o órgão masculino -mas não aprovo nenhum deles. De qualquer forma, sou obrigado a apelar para o pior deles e dizer que o tarado cortou o seu pênis e o guardou na geladeira, uma evidência de que não estava bem-intencionado.
Como resto do jantar que se guarda para o dia seguinte, botar alguma coisa na geladeira revela a óbvia intenção de aproveitamento posterior. Se o cidadão tivesse realmente propósito de castidade mais duradouro e veraz, teria jogado no lixo o pedaço que arrancou de sua carne. Ou dado para os gatos -dizem, não sei por que, que os gatos apreciam esse tipo de carne, embora exista aquele gato ao qual se atirou o pau e ele não morreu, daí que dona Chica admirou-se do berro, do berro que o gato deu.
Tanto a intenção dele (do tarado, não do gato) era débil, que logo se arrependeu, foi à geladeira, apanhou o que era seu e correu em busca de um médico para fazer o reimplante.
A menor de 5 anos continua correndo perigo. E aí entraria o vigário do Lins com a sua moral: de nada adiantam os bons propósitos e as vãs intenções. A mutilação da carne de nada serve se não houver a mutilação daquilo que o vigário chamaria de ``bestiais instintos".
Quem devia protestar contra o tarado, além do vigário e da família da menor ameaçada, é a indústria de refrigeradores. Como se sabe, as geladeiras podem ter mil e uma utilidades, mas não chegam a tanto.
Nos anos de repressão, numa busca que a polícia deu lá em casa, guardei, no congelador da eficiente Kelvinator que me servia, a carta que havia recebido de um amigo que estava na clandestinidade. Fantástica antevisão dos tempos, esse amigo chamava-se Bráulio.

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