São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995
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O presidente do PMDB

GERARDO MELLO MOURÃO

É simplesmente imperdoável -para dizer o mínimo- que nomes tidos até como representativos da grande imprensa brasileira tenham revelado uma total incompreensão diante da dramática, mas inquestionável, eleição do deputado Paes de Andrade para a presidência do PMDB.
Essa incompreensão parece desaguar em águas turvas, quando leva mesmo cronistas honestos e brilhantes -como o jornalista Josias de Souza, da pág. 2 da Folha, ou a cronista Dora Kramer, do ``Jornal do Brasil"- a uma espécie de biografia pelo método confuso do novo presidente e a uma ignorância lamentável da história do próprio PMDB.
Os que fundamos o velho partido com sangue, suor e lágrimas, na noite da ditadura, sabemos que o deputado Paes de Andrade foi, desde o primeiro momento, protagonista maior de alguns dos acontecimentos mais altos da vida partidária, dentro e fora da Câmara.
Braço direito do grande líder Martins Rodrigues, secretário-geral do MDB em seus momentos mais difíceis, foi, depois, fundador e secretário-geral do Grupo dos Autênticos, que reuniu, com Marcos Freire, Fernando Lira e outros, uma bancada de mais de 60 deputados, pela qual a oposição funcionou com uma coragem e um brilho que o Congresso nunca conhecera antes.
Ulysses Guimarães, que não fazia parte do grupo, costumava dizer: ``O partido continua vivo, graças a esses meninos". Era a Paes de Andrade que o mesmo Ulysses recorria para redigir as famosas notas com que o PMDB costumava açoitar o governo em suas horas de mais veemente confronto. E foi ainda Ulysses que deixou escrito e falado da tribuna da Câmara: ``Paes de Andrade é o autor dos melhores textos e documentos parlamentares de nossos dias".
Se Ulysses estava errado, ainda assim, como diziam os antigos, é melhor errar com Platão do que acertar com os que ignoram a história política do país. Essa história da qual o novo presidente do PMDB é aquilo que Augusto Frederico Schmidt chamava de ``ator e autor consagrado".
Seria bom que os honrados jornalistas -hoje preocupados com anedotas falsamente pitorescas, como a famosa viagem de Mombaça, que, aliás, é terra de barro bom pra homem, como se diz no Nordeste- fossem capazes de conhecer, além da biografia, a obra do professor universitário que hoje preside seu partido.
Pois todo o mundo cultural, dentro e fora do país, sabe que o deputado Paes é autor, entre outros, de dois livros que são hoje, possivelmente, os mais importantes clássicos em seu gênero, na literatura política e na jurídica do país. O primeiro, ``Itinerário da Violência" (ed. Paz e Terra), é certamente o mais completo e o mais irrespondível libelo de denúncias do elenco de violências jurídicas editadas pelo regime de 64.
O outro é o único texto clássico de nossas letras jurídicas sobre direito comparado nas diversas Constituições brasileiras. Eu mesmo assisti a excepcional solenidade com que foi ele recebido na Universidade de Coimbra, onde, como em universidades da Alemanha, da Espanha e de Israel, é obra programada de estudo curricular permanente. Escrito em parceria com seu colega Paulo Bonavides, professor da Universidade de Heidelberg, trata-se do texto brasileiro mais conhecido e respeitado, aqui e no exterior, sobre nosso direito constitucional.
Não é difícil identificar as fontes da campanha cruel de desfiguração da imagem de um dos mais exemplares homens públicos deste país. Sua eleição representou um gesto de rebeldia contra o abastardamento já quase institucional dos partidos políticos na República.
Ao ser posta sua candidatura, juntamente com a do senador Jáder Barbalho, nascidas ambas no leito legítimo da vida partidária, surgiu de repente um sr. Paulo Afonso para pregar a volta ao regime dos governadores, aos tempos de Campos Sales, alegando que nem Jáder nem Paes tinham representatividade partidária para presidir um partido nacional.
Ora, o primeiro deles, deputado várias vezes, governador de Estado, ministro e senador, retirou prontamente a candidatura, passando a apoiar seu antigo companheiro do Grupo Autêntico, com 40 anos de mandatos parlamentares, tendo exercido as presidências de importantes comissões técnicas da Câmara e a própria presidência da Casa.
Impressionado com os arroubos desse Campos Sales dos pobres, que queria voltar à política dos governadores, um grupo de deputados promoveu uma pesquisa para saber quem era o sr. Paulo Afonso. Ouvidas 500 pessoas, 250 responderam que se tratava duma cachoeira entre Alagoas e a Bahia, onde se instalara uma hidrelétrica. Outras 200 responderam que se tratava dum conhecido antiquário ou leiloeiro no Rio.
Quarenta e nove informaram que se tratava de um honrado ministro do Tribunal de Contas da União. Até que surgiu, afinal, o ex-presidente do PMDB deputado Luiz Henrique, que, por ser catarinense, pôde dar a informação correta: o novo Campos Sales era governador de Santa Catarina. O episódio chistoso dá a dimensão dos contestadores da imagem do sr. Paes de Andrade.
Sua candidatura foi um protesto contra os que queriam que o presidente do PMDB fosse escolhido pelo Palácio do Planalto. Foi a afirmação de que não há democracia onde não existe respeito aos partidos e à sua autonomia.
Paes de Andrade está eleito, o PMDB tem, afinal, um democrata esclarecido em sua presidência, e o partido vai exigir seus espaços, não em mordomias de cargos, mas na dimensão de sua presença diante das políticas econômicas e sociais do governo.
O presidente da República conhece o presidente Paes de Andrade, de quem esteve muito próximo nos dias da ditadura e do Grupo dos Autênticos. Sabe que pode contar com esse áspero e incorruptível mandacaru nordestino sempre que suas propostas atendam aos interesses da nação. Se não, não.

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