São Paulo, domingo, 8 de outubro de 1995 |
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escritor que deu cria
JACKSON ARAUJO O que você espera da apresentação do seu filme hoje, 25 anos depois?Qualquer um ficaria muito amedrontado. Foi muito atrevido para aquele período. Tenho medo também de outro aspecto, secundário: a parte técnica. A compreensão da imagem que as novas gerações têm é diferente da que eu tinha. Minha idéia era típica da "nouvelle vague". Pensávamos no cinema antiespetáculo, antinarrativo, e queríamos fazer cinema pobre de recursos técnicos e rico de imaginação. O que é o seu filme? Não o vejo há muito tempo, não sei o que se tornou. Quando fiz, já tinha a obsessão de descobrir o Brasil. Foi feito sob o impacto da descoberta de Oswald de Andrade. O que você buscava com o filme? Fiz um filme saído dos meus intestinos, tentei compreender o Brasil desde minhas contradições. A fantasia era ser compreendido pela população. Doce ilusão, nem chegou a ser lançado, por causa da censura. E que tal ser exibido em um festival de manifestações das sexualidades? Por um lado, fico gratificado e satisfeito. Por outro, fico inquieto. Satisfeito porque quando coloquei um travesti em cena como o personagem curinga, declamando poemas de Oswald, tinha intenção muito subversiva. Havia a tentativa de violentar a instituição cinematográfica. E a inquietação, qual é? Tenho problema com tudo que vira moda. As coisas que se tornam moda trazem uma perda da consciência. As pessoas embarcam porque é "in" e não por uma necessidade interior. Essa coisa poderá se tornar "out" e, mesmo sendo importante, sair de discussão por um motivo banal. Literatura homoerótica é um gênero? Não. No máximo, acredito em literatura de temática homossexual. Assim como existe literatura sobre borboletas, televisões e serial killers. Não que os escritores não possam ser claramente homossexuais. Mas literatura é poesia, você pode falar tanto da merda quanto do ouro. Não acho que essa temática agregue à literatura necessariamente algo de novo ou positivo. Tem muita coisa ruim de temática homossexual, assim como grandes escritores interessantes por tratarem da questão. O que acha da editora Transviatta? Acho interessante a iniciativa, até porque muitos editores do país ainda se recusam a lançar literatura de temática homossexual. Anos atrás quis relançar "Em Nome do Desejo". O editor disse: "Não lançamos pornografia `dépassée' (ultrapassada)". E o novo "Devassos no Paraíso"? Estou atualizando. Vou falar do novo homossexual que está surgindo no Brasil hoje. Aquele que tem embutido a vocação de empresário. Não é mais o militante heróico, mas o disposto a ganhar dinheiro por conta do trabalho com homossexuais. Em moda, literatura ou BBS. Vai entrar também o caso Sandrinho e Jefferson, de "A Próxima Vítima"? Sim, mas não dou uma importância exagerada. Já houve muita coisa nesse sentido na TV brasileira, mais impactante, como o Capitão Gay, do Jô Soares. Era muito gratificante sair na rua e ver a molecada cantando o hino do personagem, pela ironia. Dá pra viver como escritor no Brasil? De jeito nenhum. Tem que remar contra a maré, perder as energias inutilmente, aprender a nadar num mar de mediocridade. Eu estou processando duas editoras, a Codecri e a Max Limonad, por falta de pagamento de direitos autorais. Texto Anterior: o escritor que deu cria Próximo Texto: escritor que deu cria Índice |
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