São Paulo, segunda-feira, 9 de outubro de 1995
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Os tabus e a concordância

JOSUÉ MACHADO

Assim escreveu um especialista em tabus num de nossos matutinos:
``Não é possível distinguir maus de bons tabus. Ao se derrubar os primeiros, arrasta-se os segundos."
Bonito isso. Mas o primeiro ``se" da frase (``Ao se derrubar...") é tão útil quanto os programas políticos compulsórios que enriquecem as noites televisivas de segundas e quintas-feiras. Sim, enriquecem porque o povo vai ler ou fazer coisas proveitosas em vez de assistir a eles. O tabusista teria escrito melhor: ``Ao derrubar os primeiros...".
Se tal ``se" não estivesse sobrando, o verbo ``derrubar", que o segue, deveria estar no plural, porque o sujeito dele seria ``tabus": ``Ao se derrubarem os primeiros...", que equivaleria a ``Ao serem derrubados os primeiros tabus...".
Basta lembrar o centenário exemplo: ``Alugam-se deputados por bons preços", igual a ``Deputados são alugados por preços vis".
No caso do segundo ``se", aí necessário e indiscutível, repete-se o raciocínio deputatório. Nunca ``arrasta-se os segundos", por não haver dúvida de que os bons ``segundos" tabus são o sujeito plural, que merece o verbo no plural, como aprendemos na inocência da infância. Portanto, ``arrastam-se os segundos", equivalente a ``os segundos são arrastados", vamos repetir até que cessem as mordomias do pessoal da Justiça com seus palácios bonitões.
Verdade que alguns estudiosos revolucionários aceitam e até defendem formas como ``arrasta-se os segundos" e ``aluga-se deputados", porque é assim que o povão fala, e o povão faz a língua, dizem. Dane-se pois a tradição e danem-se os pais da língua, proclamam enfurecidos. Dane-se também o fato de o ``se" tornar-se o sujeito da frase com o verbo no singular, não importa que nunca tenha servido para isso em nossa língua, chiam entredentes.
Essa não deve ser a posição do homem dos tabus, que parece apenas ter escorregado no ``se" e na concordância. De todo modo, como a língua precisa obedecer a algumas regras para que a maioria a entenda, seria bom continuar atento ao padrão formal, pelo menos nos meios de divulgação comuns. E que a revolução na língua chegue devagarinho, sem sobressaltos, como um bom governo neo-social, à espera da hora certa para dar o pulo.
Resumos mutantes
Um suplemento de jornal dedicado a diversões publicou a seguinte advertência sob os resumos de novelas da semana:
``Os resumos dos capítulos, fornecidos pelas emissoras, estão sujeitos a alterações de última hora."
Dá o que pensar. ``Os resumos... estão sujeitos a alterações de última hora."
Os resumos não são aqueles já eternizados em letrinhas de fôrma ali no jornal? O texto impresso pode mudar de repente? Quer dizer que, quando a pessoa estiver lendo o resumo, ele poderá alterar-se subitamente por artes maléficas? Ou mudará de um dia para o outro, se guardado? É isso? Os jornais já estão equipados com dispositivos capazes de modificar o texto do jornal já entregue? Maravilha.
Um sujeito comum, sem a imaginação e a criatividade de um Gerald Thomas, por exemplo, imaginará que o computador se distraiu. Fome, hora de fechar, a gata esperando (ou o gato, quem sabe). Se o computador se distraiu, talvez tenha querido dizer que os capítulos poderiam ser modificados de forma que os resumos eventualmente não corresponderiam a eles.
Mas nunca se sabe. A ciência anda tão adiantada.
A leitora nervosa
A leitora Cláudia Helena Mendes dos Santos, de Belo Horizonte (MG), está indignada:
``Como leitora assídua de sua coluna semanal (...) e de seu livro recém editado `Manual da Falta de Estilo' (...) (Editora Best Seller), registro a minha surpresa e até mesmo indignação, ao deparar às fls. 132, no último parágrafo, com a grafia da palavra `excessões'.
Será que se trata de `ignorância? Distração? Coisa de computador maldomado? Teste insidioso para o leitor?' Espero jamais saber, motivo pelo qual não tive condições de prosseguir a leitura do manual, apesar do interesse em aprimorar o meu texto, de acordo com a proposta feita na introdução."
Tem razão a leitora de parar furiosa. Mas poderia quem sabe conceder ao pobre autor o benefício da dúvida. Saberia ele como se escreve excess..., epa, exsses..., ops, exceção ou não? Ignorância? Pode ser que sim, pode ser que não. Pode ser que na longa trilha que vai da pena de ganso com que maltraça suas linhas até a impressão tenha havido um acidente: um escorregão da pena, um digitador traído, um revisor infeliz, um computador maldomado... Ou ignorância, por que não?
Convém lembrar por fim que a palavra ecexs..., que essa palavra, enfim, aparece outras vezes no livro. E nesta coluna apareceu 17 vezes em um ano e meio. Até agora, ninguém se queixou.
De todo modo, como mostra o livro, exceção não tem ``s" e obsessão, outra palavra cabeluda que também aparece errada muitas vezes, só tem ``s".
Paz e amor.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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