São Paulo, segunda-feira, 9 de outubro de 1995
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A quatro mãos

WASHINGTON OLIVETTO; GABRIEL ZELLMEISTER

WASHINGTON OLIVETTO e GABRIEL ZELLMEISTER
Muito se tem discutido a respeito da informática nas agências de publicidade. Seus benefícios e malefícios. Computadores e scanners são acusados pela existência de anúncios descaradamente chupados de outros já existentes. Anúncios-fantasmas são produzidos aos quilos para festivais, devido às facilidades tecnológicas.
Jovens diretores de arte, com convívio obviamente mais natural com a informática, são vistos como incapazes de produzir layouts quentes, sedutores e personalizados. O assunto é sempre polêmico, às vezes confuso, mas a discussão é fundamental.
Resolvi falar dele, mas, sinceramente, não me senti suficientemente aparelhado para sustentar uma tese razoável e consistente.
Convidei então meu sócio, Gabriel Zellmeister, para me substituir no artigo de hoje.
Gabriel foi o maior responsável pela implantação da informática na área de criação da W/Brasil, processo que começou em 1987, um ano depois da fundação da agência, e não parou nunca mais.
Ele é também um dos poucos diretores de arte em atividade capazes de produzir layouts perfeitos sem precisar de nenhum recurso tecnológico.
Suas opiniões têm a clareza, objetividade e pertinência de seus layouts. Com a palavra, o Gabriel.

Um longo artigo na "Adweek" de agosto último discute se a publicidade impressa nos EUA (a) é a melhor de todos os tempos, graças ao computador, viabilizando a realização de tudo aquilo que possa ser imaginado; ou (b) deteriorou-se nos últimos três anos, porque o computador encoraja a direção de arte rápida, preguiçosa e superficial.
Diversos publicitários opinam sobre a relação do computador com a direção de arte e seus efeitos sobre a publicidade impressa.
Gary Goldsmith, chairman e diretor de criação da Goldsmith/Jeffrey, NY, constata que o computador "tende a ser um grande nivelador". Leva o design a ser malfeito por profissionais não muito bons, que transformam direção de arte em decoração.
Lee Garfinkel, da Lowe & Partners/SMS, NY, lamenta que "os anos 90 tenham se tornado cada vez mais orientados para a direção de arte". Ela tornou-se mais importante do que o conceito.
Rich Silverstein, diretor de criação da Goodby, Silverstein & Partners, acredita que "nos últimos três anos tudo desmoronou".
Court Crandall, sócio da Ground Zero, Califórnia, acusa que muitos bons trabalhos não foram premiados este ano no One Show (premiação norte-americana) porque "alguns jurados conservadores não querem que os anúncios impressos sejam diferentes dos de 15 anos atrás".
Nesse desvio polêmico, Matt Haligman, diretor de criação da Citron Haligman Bedecarré, é menos ingênuo: "São os prêmios que determinam o que é boa publicidade? Ou são os clientes?" Nenhum dos dois parece considerar o público.
Novamente, um instrumento é responsabilizado por deficiências e qualidades humanas. Foi assim com a fotografia, com o vídeo e quando a eletrônica atropelou a música e o cinema.
Poucos diretores de arte lembram quando, nos anos 60, surgiu uma lente fotográfica chamada olho-de-peixe. As fotos da época causavam enjôo. E quando surgiu a lente zoom no cinema? Parecia que a humanidade estava sendo dizimada por crises de labirintite.
No confronto entre o instrumento eficiente e o profissional incompetente, vence o instrumento. Para dominar dois ou três neurônios bastam 16k de memória. RAM.
(Aquela história de que cachorros ficam parecidos com seus donos sempre me intrigou. Alguém já viu um cachorro com cara de gente? Eu já vi muitas pessoas iguaizinhas ao seu pequinês ou chihuahua. Devem ser as mesmas pessoas que passam a falar sua língua pátria com sotaque depois de três meses fora do país).
O bom uso do computador melhora a comunicação entre os profissionais, apura a qualidade gráfica, permite ganho de tempo e redução de custo. Também permite aos profissionais medíocres disfarçar sua incapacidade. Eles só convencem a outros incompetentes.
Curiosamente, ninguém comenta nada sobre a interferência nefasta do computador na criação do texto. Redatores seriam, então, Homo sapiens e diretores de arte Homo fabers? Prefiro acreditar que não, apesar de muitos diretores de arte terem chegado à profissão mais pela dificuldade em lidar com a palavra do que por sua habilidade em lidar com a imagem.
Falando em texto, o mesmo artigo ainda elogia os longos e bem escritos textos dos anúncios britânicos, enquanto lamenta o inevitável desaparecimento do texto na publicidade norte-americana.
No Brasil, os altos índices de analfabetismo e os baixos índices de leitura têm servido para desculpar a incapacidade ou preguiça de muitos redatores publicitários. Como se as pessoas que compram o jornal todos os dias e algumas revistas por semana fizessem parte daquela maioria que não lê.
Todo esse debate me leva a uma constatação, também bastante singela: continuam existindo os bons e os maus profissionais. A propaganda boa e a propaganda ruim. É simples assim. Também não vai ser o computador que vai igualar essas coisas.

WASHINGTON OLIVETTO e GABRIEL ZELLMEISTER são, respectivamente, presidente e vice-presidente da W/Brasil. Ambos são diretores de criação da agência.

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