São Paulo, segunda-feira, 9 de outubro de 1995
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Meneses quer `limpar' música brasileira

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Concerto: Antonio Meneses (violoncelo) e Ricardo Castro (piano)
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 011/256-0223, região central da cidade de São Paulo)
Quando: hoje, amanhã e quarta, a partir das 21h
Quanto: de R$ 25 (lateral C) a R$ 50 (central); estudantes pagam R$ 5 (meia hora antes do espetáculo)

Para os brasileiros, Antonio Meneses é mais que Carnaval porque tem no mínimo duas vezes por ano. O violoncelista pernambucano de 38 anos, 13 de carreira internacional, toca pela segunda vez no Brasil este ano a partir de hoje, dentro da temporada da Sociedade de Cultura Artística.
Seu último concerto ocorreu e março, na inauguração do piano Steinway do Teatro Municipal.
``Faço questão de vir ao Brasil porque adoro o público, a comida e minha família", disse na última quinta-feira, por telefone, de Basiléia, Suíça, onde mora com a mulher, a pianista filipina Cécile Licad, e dá aulas de interpretação na universidade local.
Sua agenda de concertos e recitais por Europa, EUA e Japão está preenchida até o próximo século, mas ele encontra um espaço para fazer três concertos em São Paulo, acompanhado pelo pianista baiano Ricardo Castro.
Vem com seu violoncelo Matteo Gofriller, modelo 1733, que, diferentemente do que foi noticiado, não pertenceu ao catalão Pablo Casals.
``Toquei no Gofriller de Casals por muito tempo, mas o devolvi à viúva e comprei o meu", orgulha-se. ``O Gofriller tem uma sonoridade doce melhor do que a do Stradivarius e menos famoso, o que barateia o preço."
Acaba de voltar do Japão e, depois do Brasil, onde fica uma semana, faz uma turnê pelo noroeste norte-americano com a Sinfônica de Seattle. Retorna ao Japão, em turnê ao lado de Cécile Licad.
No programa dos concertos em São Paulo, traz exemplos de sua mais nova missão: ``Quero me dedicar cada vez mais à música brasileira". Vai gravar as obras completas do compositor carioca Villa-Lobos no final do ano. Serão três CDs.
Começa seu projeto de gravações pela prática de concertos. Nos do Cultura Artística, toca duas peças de Villa-Lobos: ``Bachianas Brasileiras nº 2" e a juvenil ``Pequena Suíte". Esta última, composta na década de 10, nunca foi apresentada por Meneses.
Apesar do esforço de brasilidade, o astro não refugará no espetáculo as peças que lhe fizeram a fama internacional de último romântico, como a sonata ``Arpeggione", de Schubert, ou a ``Suíte nº 3", de Johann Sebastian Bach.
Ele gravou em janeiro, para a Philips japonesa, a integral das suítes de Bach para violoncelo solo. Para se ter uma idéia do que essa obra representa, o virtuose russo Rostropóvitch esperou 53 anos de carreira para registrá-la em disco. Até porque havia Pablo Casals a assombrar sua possível abordagem.
``Não me amedrontei com Bach e evitei o estilo improvisado de Casals, que acho o maior violoncelista de todos os tempos por causa de sua recitação e uma imperfeição técnica emocionante. A gravação ficou boa. Resulta dos meus estudos recentes de interpretaçào de música barroca. Estou tocando Bach diferente do jeito que eu tocava. Exploro o máximo da leveza barroca, ainda que meu instrumento seja preparado como contemporâneo. Casals foi mais barroco que Rostropóvitch ao tocar a obra!"
Ele diz perseguir um meio termo entre os arroubos de Casals e o furor pela fidelidade que caracterizam a nova geração de músicos. ``Hoje vivemos o automatismo das abordagens. A partitura está para a interpretação assim como o plano de um arquiteto para a casa. A música não existe senão no instante em que é criada. Hoje não observam essa evidência."
Meneses percebe a atuação essencial da música num espaço muito limitado de tempo: ``Quando surgiu o disco, há uns cem anos, esse aspecto perdeu a força para a possibilidade de repetição. O músico se acostuma a isso e a ouvir repetidas vezes uma mesma execução. O maquinalismo dos intérprete atuais é chegar a um nível de perfeição e a tendência é de consolidar uma única versão, geralmente baseada em audições de discos anteriores."
Ao contrário da cartilha em voga, Meneses se impôs na Europa com um estilo interpretativo mais intenso.
Gosta de ouvir Casals, em cujos discos encontra ``erros e desafinações, mas também instantes de beleza e grandeza."
Tal preocupação com os fundamentos da música o aparta do marketing e do ``grand monde" da idústria dos discos eruditos.
``Não tenho talento para me vender, como agem alguns colegas meus, que fazem qualquer coisa para que a gravadora os torne famosos. Talvez por isso as coisas sejam mais difíceis para mim no sentido do mercado. Demora mais, mas vai acontecer." Ninguém duvida.

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