São Paulo, segunda-feira, 9 de outubro de 1995
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A primeira doação...

Valdo Cruz
BRASÍLIA - A primeira grande doação o candidato nunca esquece. Adaptação de uma publicidade famosa, a frase é um retrato fiel do que acontece no submundo das campanhas eleitorais. Subterrâneos revelados ontem pela Folha no caderno Eleição S/A.
Os grandes empresários, financiadores de carteirinha de eleições, criaram um ritual na hora de entregar a primeira e suculenta contribuição: só passam a mala abarrotada de dólares na presença do candidato.
Quem não aceita a regra, não vê a cor do dinheiro. Fica a ver navios. Como campanha é coisa cara, dificilmente algum candidato se recusa a participar da cerimônia.
O relato foi passado à Folha por um tesoureiro de campanha, sob a condição do anonimato. Ele atuou nas últimas eleições. Seu candidato, um postulante a um governo de Estado, foi obrigado a passar por esse ritual.
A cena, segundo ele, é constrangedora -com certeza, deve ter muita gente que não pensa da mesma forma. O empresário procura, nesse momento, estabelecer uma posição de dependência entre financiador e financiado. É tudo muito sutil, mas o recado é dado.
O candidato, na hora em que vê a mala ir de uma mão para outra, passa a dever um ``favor". É como se estivesse assinando uma nota promissória invisível, que terá de ser paga mais tarde.
Essa revelação mostra que não passa de empréstimo o que políticos chamam de doação. O pior é que esse ``financiamento" acaba sendo pago, em muitos casos, com dinheiro do contribuinte.
O tesoureiro afirma que foi a primeira e última vez que participou de uma campanha na condição de arrecadador de fundos. Seu candidato foi derrotado.
Acredita que um dos motivos é que ele se recusou a ter alguns daqueles encontros, por absoluta incompatibilidade de interesses com os anfitriões.
Acabou não conseguindo arrecadar o dinheiro suficiente para competir de igual para igual. Desiludido, o caixa de campanha diz ter reunido a família após as eleições e comunicado que não pretende nem votar nos próximos pleitos.
Para ele, não há nada mais falso no Brasil do que eleição. O eleitor pensa que está elegendo um defensor de seus direitos, mas o vitorioso sempre está devendo mais àquele que o financiou.

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