São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 1995
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Sem desvalorizar o real

LUÍS PAULO ROSENBERG

A estagnação que vai dominando o cenário econômico pode até provocar gargalhadas do presidente. Ele, como sociólogo curioso em Economia, tem o direito de não conseguir interpretar adequadamente as informações, às vezes contraditórias, que estão surgindo.
Com o tempo, sua gargalhada vai virar sorriso amarelo e evoluirá para a adoção de medidas concretas de eliminação dos excessos do Real: afinal, temos um presidente inteligente, cuja correta compreensão da realidade pode tardar, mas sempre é alcançada.
Podemos, pois, desde já debater o que deverá ser feito para recolocar o plano na sua rota correta.
Certamente, acelerar a velocidade de queda dos juros. Aí está a principal distorção da pilotagem atual, que produz, desnecessariamente, quebra de empresas, desemprego, deterioração da saúde das instituições financeiras e comprometimento das contas públicas. Realmente, o sofrimento com que vem arcando o setor privado é insuportável, mas o estrago nas contas federais e estaduais -os grandes devedores no país- é muito mais dramático.
Há muito espaço para redução: se a inflação latente da economia brasileira para os próximos meses é algo próximo de 1%, juros mensais de 2% já seriam suficientemente altos para dissuadir qualquer intenção de especulação com estoques por parte dos empresários ou mesmo um repique de consumo por parte das famílias, endividadas e ressabiadas com o quadro de desemprego crescente.
Outra ação prioritária seria a concentração de esforços na aprovação das reformas tributária e administrativa, para atacar o déficit estrutural do setor público em todas as suas esferas. Estamos nos aproximando, já em 1995, dos 2% do PIB no conceito de déficit operacional, quando a previsão inicial do governo era de 0,5%.
Não há como evitar a demissão por excesso de pessoal, reduzir salários do Legislativo e Judiciário e encaminhar uma proposta de aumento da base de tributação para poder reduzir a carga dos exóticos que hoje pagam impostos. A diretriz básica da modernização a ser adotada é reduzir o custo de produção do empresário brasileiro, única via de um programa de estabilização lastreado em âncora cambial.
E, por falar em âncora cambial, eis aqui um foco de ataques injustos que vem sofrendo a política econômica. Os críticos continuam no mesmo tom de há meses atrás, quando a taxa cambial estava em R$ 0,82 por dólar. Naqueles tempos, todos os economistas sensatos previam os déficits comerciais que vieram a acontecer e exigiam ajuste cambial.
Agora, depois de uma desvalorização de 17%, temos de reconhecer que o quadro mudou. Realmente, continuar a desvalorizar o câmbio é sempre a solução mais fácil. O exportador ganha competitividade, emprega e ajuda a reverter o ritmo recessivo; o produtor voltado para o mercado interno sente-se defendido da competição internacional, repõe suas margens de lucro, contrata e também ajuda a expandir a produção.
Cresce o saldo comercial, acumulam-se reservas e chovem aplausos das federações das indústrias, das economistas choronas de esquerda e de carreiristas políticos que tenham bases de financiamento eleitoral em regiões cuja produção está ameaçada pelos preços e qualidade do similar importado.
Se tantos beneficiam-se com a desvalorização, por que não adotá-la? Porque estaríamos, inexoravelmente, decretando a volta da inflação, pela reindexação que se generalizaria a partir do ajuste cambial: recomposição de margens de lucro, encarecimento dos importados e realinhamento de preços públicos constituem um conjunto de medidas conducentes à volta da indexação salarial. Daí, o céu seria o limite.
O pior é que não há a menor necessidade de ajustarmos mais o câmbio, como bem demonstra a volta de taxas positivas de crescimento das exportações de manufaturados e os respeitáveis saldos comerciais positivos. Se admitirmos que a taxa anualizada de crescimento do PIB dos próximos 12 meses será de algo como 3%, uma taxa cambial de R$ 0,96 pode gerar um saldo comercial, no período, de US$ 4 bilhões a US$ 7 bilhões. Somando isso aos US$ 5 bilhões/US$ 6 bilhões de investimentos diretos de multinacionais que deverão estar entrando no país, teremos cerca de US$ 12 bilhões de entradas garantidas.
Projetando-se uma conta negativa de serviços (incluindo juros, dividendos, viagens, fretes etc.) de US$ 13 bilhões, constata-se que poderíamos cobrir essa pequena diferença utilizando dólares da reserva internacional do Brasil e mesmo assim estar, ao final de 1996, com cerca de US$ 45 bilhões, ainda que não recebêssemos um vintém de empréstimos novos.
Perguntarão os desvalorizadores de plantão: e quando o país atingir, digamos, 6% de crescimento do PIB? Ao câmbio atual, provavelmente estaremos gerando um substancial déficit comercial, se o custo Brasil não cair na proporção necessária a preservar a competitividade do empresário nacional.
Lutemos, primeiramente, para que ganhos de produtividade e redução do custo Brasil venham a ocorrer. Se fracassarmos, recordemo-nos de que a taxa de câmbio é a taxa de câmbio e sua circunstância: se vamos, eventualmente, precisar desvalorizar daqui a um ano, não faz sentido desvalorizar já.
É importante que não caiamos no canto de sereia dos desenvolvimentistas. Voltar a crescer é o principal objetivo de todos os envolvidos na formulação e na crítica da política econômica. Mas jamais permitindo o renascer da inflação, que canaliza todos os frutos do crescimento para a minoria de sempre.
É inadiável eliminarmos os excessos do Real, como os juros excessivos e a complacência com o gasto público. Colocar, entretanto, no mesmo saco o reajuste cambial ou a adoção de restrições protecionistas à entrada de mercadoria importada é colocar em xeque a própria sobrevivência do Real.

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