São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 1995
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`Recital René Char' abre festival em SP

MARIJÔ ZILVETI

MARIJÔ ZILVETI; MÔNICA RODRIGUES COSTA
DA REPORTAGEM LOCAL

MÔNICA RODRIGUES COSTA
``O cotidiano era tão insuportável, imagine você passar três anos fazendo supermercado e ver objetos voando." ``Por que este caminho e não outro?... Como mostrar sem trair as coisas simples desenhadas entre o crepúsculo e o céu?" Com esses versos aconteceu a abertura em São Paulo do 5º Festival Internacional de Artes Cênicas (Fiac), na sexta-feira passada, no teatro Ruth Escobar.
O ``Recital René Char" trouxe da França para o Brasil os atores Michel Piccoli e Dominique Blanc e o historiador e estudioso da obra do poeta francês René Char (1907-1988), apenas para falar de poesia. Mais especificamente, do tabalho do poeta surrealista.
Um palco despojado, com apenas uma mesa e três cadeiras, trouxe as palavras de Char. O recital foi sustentado apenas pela voz e a expressão facial de Piccoli e Blanc. Não foi exatamente um espetáculo de teatro.
Piccoli mostrou-se mais apaixonado pelo que lia. Fez quase uma leitura dramática. Ficou claro que sua visão sobre a obra de Char é mais madura do que a de Blanc.
A atriz, em tom mais lírico, manteve-se contida, dando espaço para a interpretação contundente de Piccoli. Para o público, a voz de Blanc parecia uma ``distração sensual" (verso de Char).
Blanc e Piccoli usaram, na mairia dos momentos, uma dicção natural para exprimir as estranhas imagens do poeta, aparentemente de sentido obscurecido.
Na apresentação, Paul Veyne comparou a importância de Char, para os franceses, à de Fernando Pessoa, para Portugal e Brasil.
As intervenções de Veyne quebravam a leitura dos atores em forma de aulas breves, esclarecedoras da gênese de alguns poemas. Tinham muitas vezes caráter irônico, como que para provocar distanciamento do tom solene de recital.
Char foi um poeta da Resistência francesa. Piccoli contou que, durante a Segunda Guerra Mundial, Char estava sendo procurado pela polícia alemã. Se escondeu em um vilarejo. A população foi torturada para dizer onde o poeta estava; ninguém contou.
Seus poemas transmitem tormento: ``O homem foi com certeza o voto mais louco das trevas; eis porque somos lúgubres, invejosos e loucos sob o sol potente".
Os versos trazem metáforas misteriosas, que compõem um jogo de luz e escuridão.
Para justificar o mistério e a escuridão dos versos, Piccoli enfatizou a necessidade de existirem zonas obscuras na vida das pessoas.
A lição que ficou é que a poesia é uma tensão entre felicidade e morte: ``fazer um poema é tomar posse de um além nupcial que está feliz nesta vida, muito ligado a ela e, no entanto, próximo das urnas da morte".
Os poemas de Char foram traduzidos por Augusto Contador Borges e estão na antologia ``O Nu Perdido e Outros Poemas", publicada neste momento do Fiac, pela editora Iluminuras.

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