São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Escárnio

``Eu tenho uma empresa. Trabalho numa estrada para o país. Não posso fazer uma emenda para liberar recursos para a obra? Isso vai parecer escuso? Meu Deus do céu, em que país estamos?"
O que mais causa indignação nas declarações do empreiteiro-deputado Luís Roberto Ponte (PMDB-RS) é que, com seu último período, ele furta à sociedade a sua única e mais natural reação diante do episódio: ``Meu Deus do céu, em que país estamos?". Essa pergunta, quem deveria fazer são todos os demais brasileiros que não têm o poder de decidir quanto dinheiro público vão destinar a suas empresas.
A resposta à dúvida de em que país estamos, porém, todos infelizmente conhecem e de perto: o Brasil. De fato, apenas no país apontado pelo Banco Mundial como o campeão planetário da desigualdade social; apenas num país em que 23% da população não conta com o direito básico de cidadania que é o de saber ler e escrever; apenas no Brasil, o deputado apanhado tentando advogar em causa própria fica, ele, indignado.
Enquanto reações surrealistas como a do deputado Ponte ainda forem possíveis, todos podem estar certos de que o Brasil continuará ostentando os nada abonadores títulos que ele hoje detém. As reformas políticas no sentido de melhorar a representação do país são um imperativo, cuja urgência o escárnio de Ponte põe a nu.

Texto Anterior: Aids
Próximo Texto: Mais do que um oceano
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.