São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Meneses prova atualidade de Villa-Lobos

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O violoncelista pernambucano Antonio Meneses, 38, mostrou anteontem, no teatro Cultura Artística, que a modernidade chegou ao Brasil em 1913. Pela primeira vez, a ``Pequena Suíte", do carioca Heitor Villa-Lobos (1887-1959), composta no ano em que se casou e tocava piano na Confeitaria Colombo, recebe uma interpretação à altura de seu atrevimento estético.
Como prova Meneses, essa obra em seis pequenas seções inaugura a vanguarda musical no Brasil, bem antes da festejada Semana de Arte Moderna de 1922. Villa-Lobos a escreveu antes mesmo de surgir o primeiro samba gravado, ``Pelo Telefone" (Donga).
Permeada de ambivalências harmônicas e lascas rítmicas, a suíte guarda um parentesco impressionante com a ``Suite Italienne", escrita pelo russo Igor Stravinski (1882-1971) em 1932, a partir do balé ``Pulcinella", de 1920. Meneses tocou esta obra na sequência da suíte de Villa-Lobos.
Isso significa que, de certa maneira, a linguagem de vanguarda, capitaneada por Stravinski, apareceu no imaginário brasileiro antes do samba? Por mais estranho que isso possa parecer, Meneses ensina que pode ter sido assim.
Eis o valor mais alto do músico, que toca hoje pela terceira vez em São Paulo, acompanhado pelo pianista Ricardo Castro. Seu violoncelo não é apenas um instrumento de introspecção, mas de prospecção; violoncelo descobridor.
Ele traz para o público o derradeiro vislumbre da música como obra de arte momentânea e irrepetível. A reprodução do som quebrou esse traço quase místico e é difícil para o músico atual restaurar o instante ancestral da execução, em que os ouvidos viviam uma experiência única.
Meneses se concentra como a querer incitar uma levitação impossível no público. Mesmo porque o pianista Castro não ajuda. É mero acompanhador, um homem sem metafísica. Já o rosto contraído do violoncelista, voltado para a estante da partitura, trai um desejo de inventar espessuras e profundidades inexistentes no mundo. A música, por isso, lhe soa dolorosa, intensa. O som sai incorpóreo, beneficiado pelo timbre do violoncelo Gofriller modelo 1733.
No ``Allegretto" da sonata ``Arpeggione", a partitura caiu da estante. A peça do acaso não abalou Meneses. Ele contemplou com desprezo o despojo e seguiu adiante, como se a pauta não passasse de um anteparo inútil entre o artista e o público. Último apóstolo da intangibilidade da música, seus dedos então fizeram o surrado lirismo de Schubert nascer de novo.

Concerto: Antonio Meneses
Onde: Teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 011/256-0223)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 25 a R$ 50

Texto Anterior: Zemeckis revisita a boa aventura
Próximo Texto: Studer e Boulez vêm ao Brasil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.