São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 1995
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Harry Belafonte volta ao cinema como ator

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

O lançamento, no início de setembro, de "White Man's Burden", filme de estréia do roteirista Desmond Nakano ("Last Exit to Brooklyn", "American Me") como diretor, marca dois momentos interessantes na carreira de seus astros principais.
Para John Travolta, é o primeiro filmes desde o sucesso de "Pulp Fiction", que reinventou sua trajetória profissional; para Harry Belafonte, é um recomeço, aos 68 anos, do trabalho como ator, que ele abandonou, meio por vontade própria, meio por injunções do establishment hollywoodiano, em meados dos anos 70.
Não que a volta à carreira de ator seja uma prioridade para Belafonte -ao mesmo tempo em que ele mantém seu trabalho como cantor, principalmente na Ásia e na Europa ("só os EUA enjoaram de mim"), ele é um produtor de cinema e TV bem-sucedido que se prepara, agora, para dirigir seu primeiro filme, o drama "The Muder of Hound Dog Bates".
Militante dos direitos civis e da luta contra o apartheid, Belafonte está coproduzindo o filme "Parting the Waters", uma crônica da vida no sul durante os anos-chave de 1963 e 64, que Jonathan Demme começa a filmar em março do ano que vem. Leia a seguir trechos da entrevista com Belafonte.

Folha - Este filme marca sua volta ao cinema, como ator, depois de um afastamento de mais de duas décadas. Por que você parou de trabalhar?
Harry Belafonte - Eu nunca escolhi não trabalhar. Eu sempre quis trabalhar. Mas optei por não trabalhar em projetos que não acrescentavam nada e nos quais eu não tinha fé. Mas, quando se está lidando com um meio tão poderoso quanto o cinema, se você tem a oportunidade de fazer algo que deixe uma marca, vale a pena.
Meu último filme foi uma comédia ligeira chamada "Uptown Saturday Night", muito agradável e simpática, que fez as pessoas rirem e fez muito dinheiro. E daí? Não realizou coisa alguma.
Não me entenda mal: tive muito prazer em trabalhar com Sidney Poitier e Bill Cosby, mas o que eu realmente queria eram projetos de substância. Esperava por um "Ladrões de Bicicleta", um "Cinema Paradiso", um Ingmar Bergman. Mas isso não aconteceu.
Folha - O que mudou depois de 21 anos?
Belafonte - Várias coisas, todas típicas de Hollywood. Os cineastas negros começaram a ter voz mais ativa, mas não me ajudou muito porque eram jovens interessados em fazer filmes sobre a juventude nos guetos na América, sobre cocaína e sangue e violência.
Hollywood adorou essa linha e por isso ninguém me chamava. Eu tinha me tornado uma relíquia. Mas Hollywood se cansou dessa dieta exclusiva e começou a procurar outras coisas. Uma dessas novidades foi a oportunidade de fazer este filme. E esta oportunidade trouxe as outras com ela.
Folha - É verdade que na primeira vez que leu o roteiro do filme você o recusou? Por que?
Belafonte - Eu fiquei preocupado. Achei que abordava questões perigosas de um modo que podia não ser compreendido.
Com a minha experiência das questões raciais na América, minha primeira reação foi querer ficar longe do projeto. Mudei de idéia quando vi que podíamos trabalhar sobre o roteiro.
Foi importante também conhecer a visão das questões raciais no país do roteirista e diretor Desmond Nakano, um americano de origem japonesa.
Folha - Como você acha que o filme vai ser recebido?
Belafonte - O filme é repleto de metáforas, e eu acredito que só através da metáfora é possível alcançar a verdade.
Creio que, ao colocar a sociedade de ponta-cabeça, estamos obrigando a sociedade a redefinir os lugares onde as pessoas estão e o que é a opressão.
Não sei o que vai se passar na cabeça do espectador negro ao ver o meu personagem -será que ele vai pensar no que ele faria se tivesse todo esse poder? Será que os brancos vão mesmo entender o que é a opressão no momento em que simpatizarem com o personagem de John Travolta?
O primeiro objetivo do filme é provocar debates e, se conseguirmos abrir esse debate, teremos alcançado uma enorme vitória.

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