São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 1995
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A nova Lei de Imprensa

A nova Lei de Imprensa permanece excluída da agenda política

AMÉRICO ANTUNES

Um fato amplamente aceito pelos pesquisadores do papel dos ``media" nas sociedades contemporâneas diz respeito ao seu poder de determinar a agenda do debate público. É o chamado efeito de ``agenda-setting".
Estudos desenvolvidos principalmente nos EUA revelaram que os ``media" podem não ser bem-sucedidos ao sugerir o que as pessoas pensam, mas eles são extremamente bem-sucedidos ao definir aquilo sobre o que elas pensam.
Tratando-se da agenda política, os ``media" pautam e hierarquizam as questões que são objeto do debate, fixando a atenção da opinião pública e reclamando iniciativa do Executivo e do Legislativo. O poder de ``agenda-setting" é exercido sobretudo no sentido de suprimir questões da agenda política.
Essa é a postura que os meios de comunicação -com raras exceções, entre as quais a Folha- vêm assumindo frente a um tema que não pode ser ignorado: a nova Lei de Imprensa. A matéria não é tratada como questão de relevante interesse público e, sem cobertura, permanece excluída da agenda política.
Do ponto de vista jornalístico, esse descaso poderia ser justificado com um argumento plausível: a nova Lei de Imprensa não dá ``notícia" porque a matéria envelheceu, uma vez que tramita no Congresso desde a promulgação da Constituição de 88. Mas, agora que o projeto voltou a frequentar a ordem do dia do Legislativo, o silêncio da imprensa já não se justifica.
Ontem, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara deveria concluir a discussão do substitutivo do deputado Pinheiro Landim (PMDB-CE), resultado de três anos de trabalho e da tentativa de compatibilizar os 16 projetos que tramitavam na Casa -apensados à proposta aprovada pelo Senado em 91 (Projeto Fogaça).
O resultado desse esforço não agradou a maioria dos integrantes da comissão e o substitutivo foi criticado por parlamentares de todos os partidos. Em função dessas reações, Pinheiro Landim já se dispôs a acolher sugestões dos seus pares, apresentando um novo substitutivo para ser votado pela comissão.
De fato, o relator pecou por omissão e por excesso de zelo. O recuo mais grave, em relação ao Projeto Fogaça, deu-se no tocante à fixação das indenizações por crimes de imprensa. O relator criou um esdrúxulo critério geográfico pelo qual as multas obedeceriam aos seguintes tetos: R$ 10 mil se a ofensa for veiculada no município, R$ 50 mil para veiculação estadual e R$ 100 mil para veiculação nacional.
O relator incorreu em um duplo equívoco. Primeiro, engessou o Judiciário ao fixar limites rígidos para as indenizações, deixando de lado parâmetros objetivos como a audiência e circulação do veículo, sua capacidade financeira e a extensão do prejuízo à imagem do ofendido. Segundo, com as novas tecnologias, como a TV por satélite, torna-se inexequível precisar a abrangência geográfica de cada veículo.
Vejamos: como enquadrar o valor da indenização nos tetos sugeridos pelo relator se a ofensa for veiculada no telejornal de uma TV por assinatura ou no noticiário distribuído via Internet?
A principal omissão do primeiro substitutivo diz respeito à ausência de mecanismos para coibir a manipulação dos meios de comunicação -particularmente dos eletrônicos- nas disputas políticas. No Brasil, onde historicamente a distribuição de concessões tem se pautado por critérios políticos, é comum o político dono da rádio ou da TV não dar espaço para o seu adversário.
É certo que o substitutivo acolhe o princípio da pluralidade de versões, mas não proíbe a recusa de publicidade. Dessa forma, não inibe práticas abusivas como ocorre, por exemplo, em Salvador (BA), onde a TV Bahia, afiliada da Globo e controlada pela família do senador Antônio Carlos Magalhães, recusa-se até a veicular publicidade da prefeitura da capital, cuja titular, Lídice da Mata, é sua adversária.
O relator Pinheiro Landim convalidou a tese adotada pelo Projeto Fogaça no que se refere à responsabilidade principal do jornalista pelos crimes de imprensa, ficando a empresa de comunicação apenas ``solidariamente responsável". Defendemos a inversão dessa relação, já que o jornalista, embora autor intelectual, segue as orientações editoriais do veículo em que trabalha.
Quem deve pagar o prejuízo material ou moral é a empresa, respondendo o jornalista solidariamente, inclusive com a prestação de serviços à comunidade caso condenado por crime de imprensa. Isso não significa isentar o profissional, mas definir sua responsabilidade.
E é coerente com essa tese que abraçamos a proposta, contida no projeto do Senado, de que deve o jornalista ter o direito legal de assinar aquilo que produziu -ou recusar a assinar, caso considere que seu trabalho sofreu deformações inaceitáveis. Infelizmente, também esse dispositivo não foi incorporado pelo deputado em seu substitutivo.
Por último, Landim não acolheu as sugestões que visavam estabelecer um novo padrão nas relações entre o público e os meios de comunicação. Prevaleceu uma visão de mercado, que reconhece com única relação legítima a de empresa-consumidor.
Priva-se a sociedade de instrumentos que consagram a função pública dos veículos, tais como conselhos editoriais ou o ombudsman. Ante o crescente poder dos meios na formação da opinião pública, tais mecanismos são indispensáveis para tornar os veículos permeáveis aos interesses da sociedade.
Além da nova Lei de Imprensa, o Executivo e o Legislativo estão iniciando um amplo processo de definições sobre as comunicações no país. Essa agenda inclui a regulamentação da Lei de TV a Cabo, a política de satélites, os novos critérios para as concessões, a revisão do Código de Telecomunicações e a definição do modelo a ser adotado após a quebra do monopólio estatal.
Também nesses casos é espantosa a omissão da imprensa. Está na hora de os meios de comunicação exercerem o poder de ``agenda-setting" para pautar as questões que envolvam seus próprios interesses e não para suprimi-las do debate público. Nesse sentido, não poderia ser mais oportuna a inclusão da nova Lei de Imprensa na programação do 2º Fórum Folha de Jornalismo e Mídia, que terá lugar nos dias 18 e 19 de outubro, em São Paulo, no qual a Federação Nacional dos Jornalistas estará presente.

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