São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 1995
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O mito dos 58 impostos

MAILSON DA NÓBREGA

Uma crítica comum ao projeto de reforma tributária do governo é a da ausência de medidas para reduzir a quantidade de impostos. Isso, tudo indica, pelo fato de se aceitar largamente que temos um número exagerado deles.
O imposto único sobre transações financeiras ganhou muitos adeptos após seu lançamento (1989) exatamente porque levava ao extremo a idéia da redução. Dificilmente essa proposta vingará, mas popularizou o mito da existência de 58 impostos. A simpática figura de Jô Soares aparecia na TV com o malsinado número.
Numa contagem bem-feita, encontraremos mais de cem figuras tributárias no Brasil. Mas nem tudo é imposto, que é uma das espécies do gênero tributo. As outras são a taxa e a contribuição de melhoria.
A maioria dessas espécies é desconhecida do grande público; tarifas de fiscalização, taxas pelo uso de faróis marítimos, multas sanitárias e pelo atraso no alistamento militar, emolumentos judiciais etc.
Faz diferença? Em que medida interessa ao contribuinte essa divisão, se tudo é pago, afinal, com o mesmo dinheiro? O que vale, dir-se-á, é o número das denominações que o governo adota para extrair recursos da sociedade.
Faz diferença, sim. Quando se arrecada um imposto, os recursos se destinam a custear serviços públicos de interesse coletivo. Não há nenhuma obrigação de oferecer em troca vantagem ou retribuição específica pelo seu pagamento.
A receita do imposto pode ser utilizada numa estrada na Amazônia ou no serviço diplomático. O contribuinte de São Paulo não se beneficia diretamente de nenhum desses serviços, mas isso não o desobriga de pagar.
Quando se cobra uma taxa, pode-se caracterizá-la como decorrente do exercício do poder de polícia do Estado ou da utilização de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
O pedágio e o custo de emissão de passaportes são exemplos de taxa. Paga quem utiliza. Não é justo que o imposto recolhido de quem viaja em transporte coletivo e nunca vai ao exterior financie esses serviços.
A contribuição de melhoria é cobrada do proprietário cujo imóvel se valoriza em virtude de uma obra pública. Se o contribuinte ganha com isso, é de justiça devolver pelo menos parte à sociedade. O custo da obra não deve ser coberto pelos que pagam impostos.
Um sistema tributário adequado seria aquele constituído apenas de taxas e contribuições de melhoria. Teríamos, dessa forma, uma infinidade de tributos: um para cada serviço governamental ou obra pública.
Isso não seria viável. A maioria dos serviços públicos é indivisível. Por exemplo, não dá para cobrar individualmente todo o custo de cada processo judicial. O sistema tributário também exerce funções redistributivas. Certos impostos devem ser progressivos, isto é, cobrados proporcionalmente mais de quem tem mais renda.
Os defeitos do nosso sistema não decorrem do número de tributos. Ruins são as incidências em cascata, a tributação das exportações e dos investimentos, a instabilidade das regras e o exagero das obrigações acessórias (livros, notas, formulários, cálculos etc.).
Há espaço para reduzir o número de figuras tributárias, mas não está aí a melhoria que se requer para o sistema. Nos países avançados, é comum a existência de inúmeros tributos. Nem por isso se martela na tecla da redução da sua quantidade.
O grande equívoco é imaginar que todos pagam 58 tributos ou que reduzi-los é a solução para a queda da carga tributária. Em 1994, 11 tributos responderam por 92% da arrecadação total da União, dos Estados e dos municípios.
Aumentar alguns décimos percentuais no Imposto de Renda representaria mais do que a cobrança pela emissão de passaportes. Nem por isso se pode eliminar essa taxa, por um princípio de justiça e moralidade.
É preciso, pois, fazer críticas procedentes ao projeto de reforma tributária. É claro que não é o melhor. As atuais circunstâncias políticas e institucionais colaboram para manter intocada a área das contribuições sociais, grande foco de distorções alocativas na economia. Já as medidas na área do IPI e do ICMS estão na direção correta.

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