São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 1995
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Prioridade para a reforma administrativa

ABRAM SZAJMAN

O governador Mário Covas afirmou recentemente que a reforma do sistema tributário será inútil se não for precedida da reforma administrativa do Estado. Não me lembro de ter ouvido, nos últimos tempos, da boca dos dirigentes políticos nacionais conceito expresso com maior propriedade.
O aparelho do Estado necessita urgentemente ter sua eficiência aumentada. Acima de tudo, precisa dimensionar seus custos, para que seja possível superar a crise fiscal. Mesmo porque as necessidades de caixa do setor público só serão realmente conhecidas quando o seu porte e a sua função forem claramente estabelecidos.
A questão principal, porém, não se restringe ao debate sobre a necessidade do equilíbrio entre a receita e a despesa nem, simplesmente, entre as funções que devem pertencer ao Estado ou à iniciativa particular.
O mais importante é que, apesar de se ter avançado pouquíssimo na solução desses temas, os governos insistem em procedimentos fiscais leoninos para ampliar o volume de transferências dos particulares para os cofres públicos.
Um indicativo seguro de como é real o divórcio entre o governo da nação e parcela substancial de seus cidadãos pode ser encontrado na economia informal, que já passou a ser considerada o refúgio seguro para todos os deserdados e esquecidos. Além do PIB, estimado em US$ 530 bilhões, existem cerca de US$ 250 bilhões que circulam na economia informal, permitindo a sobrevivência de perto de 30 milhões de brasileiros.
Essa riqueza e essas pessoas constituem, no mínimo, a comprovação de que o Estado há muito tempo não consegue estabelecer vínculos duradouros e confiáveis com parcela substancial da população. Resumindo, o governo não exerce em toda a nação a totalidade de seus direitos e deveres.
Do lado dos US$ 530 bilhões legalmente investidos nos mais diversos negócios, persiste um combate surdo entre o Estado e o cidadão. Estão falidos a União, os Estados, os grandes municípios e também os pequenos municípios. Precisam de dinheiro e sabem como conseguir: tributam o cidadão, que conseguem alcançar de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Longe de controlar despesas, querem apenas aumentar receitas.
A última tentativa de conseguir mais vantagens para o governo está na proposta de emenda constitucional relativa à alteração do capítulo do sistema tributário nacional.
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal reconheceu que o Executivo poderá extinguir a necessidade de autorização judicial para a fiscalização federal investigar a conta bancária de qualquer pessoa.
Se persistir esse juízo e ele vier a ser combinado com a permissão de instituir tributos através de medidas provisórias, na prática, o país passará a ser governado sem Congresso: os direitos individuais estarão suspensos. Com a dificuldade adicional de que, com esse expediente, o Estado não terá seus gastos controlados. Alcançará a mais completa liberdade para gastar o que lhe aprouver, sem prestar contas a ninguém.
Até aqui, a situação inusitada vivida pelo país poderia ser considerada resultado de vicissitudes derivadas das conjunturas nacional e mundial.
Mas a proposta de emenda origina-se no próprio Executivo, principal responsável pela ordenação jurídica, social e econômica da nação. Seriam os governantes capazes de empenhar, na tentativa de salvar a totalidade do aparelho estatal deficitário, também os direitos individuais dos cidadãos?
Nesse contexto, a observação do governador Mário Covas adquire substancial importância. O governador do Estado de São Paulo, sem dúvida, também enfrenta no exercício de seu mandato consideráveis dificuldades de ordem financeira. O fato de reconhecer a importância da reforma administrativa, como fundamento sólido para a reforma tributária, consiste em uma garantia de que não faltarão ao país políticos esclarecidos para enfrentar as dificuldades atuais com a plena garantia de sobrevivência do regime democrático de governo.

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