São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 1995
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O paraíso do videocassete

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - O brasileiro da cidade média e grande é um sujeito em pânico. ``Está exagerando", dirão alguns. Não, não estou.
O morador do Rio e de São Paulo perdeu o prazer da decisão banal. Mesmo nas maiores cidades do interior já não se vai nem a um cineminha impunemente.
O trajeto da casa ao cinema virou, ele próprio, um longa-metragem. Misto de drama e suspense. O roteiro inclui da esmola no semáforo ao achaque do xerife que se propõe a ``vigiar" o seu carro no estacionamento.
Filme nenhum supera a dramaticidade da paisagem oferecida pela vidraça do automóvel: famílias inteiras sob viadutos.
Na volta para casa, noite alta, o cidadão avança o sinal vermelho. Foge do assalto de semáforo, uma invenção dos nossos dias. Em seguida, cruza às pressas o portão eletrônico da garagem, protegido por guarda noturno.
O caos transforma o videocassete num fetiche social. Os paraísos urbanos perderam o encanto. O IBGE registra diminuição do êxodo rural. Desde 1975, o crescimento de São Paulo tem sido vegetativo e não migratório.
O universo do homem urbano mais abastado passou a ser a casa. Sua cidade cabe nos escassos metros quadrados da sala de visitas. As favelas são gradativamente ocupadas pelos pobres mais ricos. Multiplica-se a geração da calçada.
Estudos do Ipea, um apêndice acadêmico do Ministério do Planejamento, sugerem que não se deve atribuir a decadência das áreas urbanas apenas à crise econômica. É preciso considerar também a ausência de uma política de desenvolvimento urbano.
No Brasil, ressalvadas exceções raras como Curitiba, a ocupação das cidades é ``informal, praticamente clandestina", diz Diana Meirelles, uma das especialistas do Ipea. ``Desde 85, entre ministérios, órgãos e departamentos, a questão urbana esteve entregue a seis estruturas diferentes. A descontinuidade impede que tenhamos uma política para o setor", completa Emmanuel Porto.
No momento, governo e Congresso negociam projeto que institui uma espécie de estatuto das cidades. Perdido em meio às reformas constitucionais, o tema deveria interessar a todos os que acham que o mundo não cabe no videocassete.

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