São Paulo, sábado, 14 de outubro de 1995
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Empresa vai mais à Justiça que população

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Justiça portuguesa é cara, lenta e pouco acessível aos cidadãos. Apenas 20% da população já teve algum tipo de ação no Judiciário. E a experiência, em geral, foi pouco satisfatória. A maioria procura resolver seus problemas fora dos tribunais.
Mas se o Judiciário se revela pouco eficaz para a maior parte dos portugueses, ele tem se mostrado muito eficiente nas ações propostas por empresas.
As conclusões foram traçadas a partir de dados colhidos entre 89 e 93 pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
A pesquisa foi coordenada pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos e será lançada em livro em janeiro do próximo ano.
O estudo mostra que a maioria das ações que tramitam nos tribunais portugueses, tanto na esfera civil como na criminal, envolvem cobranças de dívidas.
E que os autores são sempre as mesmas empresas, basicamente bancos, seguradoras e empresas de crédito ao consumidor.
Segundo Sousa Santos, 65% das ações civis movidas em 1993 são relativas a cobranças de débitos. A grande maioria dessas cobranças envolve quantias não superiores a R$ 1.500.
Na esfera penal, a situação repete-se. Como a maior parte dos processos envolve a emissão de cheques sem fundos (eles equivalem a uma confissão de débito), a atuação da Justiça Criminal também gira em torno de cobranças de dívidas.
``As cobranças são processos sem nenhuma complexidade jurídica. Não demandam a elaboração de teses jurídicas nem produção de provas (há sempre um documento que prova a dívida). Os tribunais, portanto, na sua rotina, tratam de questões banais e repetitivas", avalia o sociólogo.
Para Sousa Santos, a pesquisa torna clara a necessidade de rever o funcionamento do sistema judiciário de Portugal à luz da seguinte questão: a quem devem servir os tribunais e para quê?
``No Estado moderno, os tribunais não foram criados para julgar os poderosos, mas para punir as classes populares. Hoje, crimes de corrupção e fraudes financeiras e fiscais, normalmente denunciados pela mídia e envolvendo pessoas com poder econômico, social e político, põem a Justiça frente a uma nova demanda. Ou ela assume esta responsabilidade ou se demite dela. Portanto, os tribunais tanto podem ser um agente de democratização da sociedade, como podem ser um elemento bloqueador", conclui Sousa Santos.
Ele acredita que, se o Judiciário não se democratizar -tornando a Justiça acessível aos cidadãos-, assumirá cada vez mais um caráter corporativo, envolto na defesa dos seus próprios privilégios.

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