São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A taxa de juros e o emprego

ALOIZIO MERCADANTE

O trabalho é fonte da riqueza social, a forma mais importante de sociabilidade e condição básica de sobrevivência da grande massa da população. O emprego deveria estar no centro das preocupações da sociedade e do governo em todos os seus níveis, da prefeitura ao governo federal.
Hoje, quase não entra na agenda nacional. Não temos política de emprego. Mais grave é que os economistas "modernos" perderam o compromisso político e teórico com o emprego.
Os "papeleiros" concentram-se nos CDBs, derivativos da Bolsa de Mercadorias & de Futuros e já não debatem mais a função social do crédito, o chão da fábrica, a geração do emprego, centro de toda a obra keynesiana e de tantos importantes teóricos do passado.
A consistência macroeconômica de um programa de estabilização pode e deve ser acompanhada de políticas setoriais, como a política industrial e de emprego.
O mais grave é que as inovações tecnológicas e o processo de globalização da economia estabelecem novos padrões de concorrência, onde a busca da eficiência e da competitividade significam a destruição crescente de postos de trabalho.
Neste final de século, o PIB pode crescer junto com o desemprego. Para demonstrar essa tendência, basta analisar os dados de emprego para a região metropolitana de São Paulo. Entre 1988 e 1993, a indústria diminuiu em 25% sua participação na ocupação. Cresce o desemprego estrutural e os trabalhadores por conta própria na economia informal, que eram 38% em 1988 e chegaram a 50% em 1993.
Há uma deterioração da qualidade do emprego. Os trabalhadores expulsos da indústria são parcialmente absorvidos pelo setor de serviços, em condições precárias e com remuneração bem inferior à situação anterior.
Temos uma tendência ao desemprego estrutural, que se verifica em toda a economia mundial, agravada no Brasil pela recessão prolongada, estrutura tributária arcaica e ausência de políticas de emprego.
Neste momento, a destruição de postos de trabalho está diretamente relacionada à recessão que se abate sobre alguns setores da economia. Desde a implantação do Plano Real até maio deste ano, as vendas pela Fiesp cresceram 20%, e o emprego, apenas 2%. Isso porque tivemos um processo de importações predatório, decorrente da abertura comercial radical, taxa de câmbio sobrevalorizada e juros elevadíssimos.
Desde abril, estamos tendo uma queda nas vendas, com redução do nível de atividades, inadimplência generalizada, concordatas e falências alarmantes em alguns setores. O desemprego avança e os índices da Fiesp para a indústria falam de menos 100 mil postos de trabalho no Estado.
O país cresceu quase sem absorver mão-de-obra na primeira fase do programa de estabilização, basicamente porque houve uma explosão de produtos importados com substituição de insumos e produtos finais. E, agora, o crescimento significativo do desemprego se deve basicamente à queda das vendas e do nível de atividades.
O desemprego recente é parte do custo social promovido pela articulação perversa entre câmbio sobrevalorizado e a maior taxa de juros de toda a economia internacional que o país vem praticando.
É incrível que os jornalistas ``chapa branca" escrevam que as críticas à tendência recessiva da economia eram ideológicas, dos inimigos do Real. Todas as principais entidades empresariais do país, centrais sindicais e vozes independentes alertaram para os riscos de recessão.
Essa pressão foi decisiva para o governo flexibilizar parcialmente o crédito, reduzindo os compulsórios e agora liberando os consórcios, medidas necessárias e insuficientes.
Do outro lado, os economistas conservadores continuam a escrever artigos para defender a política monetária e alertar para o "custo Brasil", como se a taxa de juros não fosse parte desse custo. Para as empresas endividadas, com essa taxa de juros não adianta reduzir externalidades sem redução imediata dos custos financeiros.
Para as finanças públicas, que são um componente importante para alavancar os investimentos em infra-estrutura e reduzir o "custo Brasil", é uma grande ilusão achar que o sistema de compulsórios e a cunha fiscal aliviarão o impacto da taxa de juros sobre a dívida pública.
Os grandes devedores líquidos são os Estados e municípios, que não estão protegidos pelo mecanismo de compulsórios. As operações ARO (Antecipação de Receita Orçamentária) em 1995 já são o dobro de 1994, cerca de R$ 3 bilhões!
A situação financeira de Estados e municípios é mais uma bomba de efeito retardado e, evidentemente, acabará recaindo sobre o Tesouro Nacional, tencionando o programa de estabilização e atrasando programas de investimentos públicos.
O governo está com um cenário inflacionário favorável para rever a orientação das políticas monetária e cambial.
E, mais do que isso, este país precisa de uma política industrial que utilize todo o potencial do mercado interno para criar escalas de produção e ampliar a competitividade das exportações. O governo precisa utilizar esse cenário de inflação baixa para corrigir cuidadosamente o câmbio, impedindo a reindexação e aliviando o papel da política monetária de juros altos.
O Brasil precisa de investimento, produção e emprego. Precisamos de uma política industrial e de uma política de emprego. Há setores que não estão diretamente expostos à competitividade internacional e podem receber estímulos para empregar. Outros estão com capacidade ociosa e estoques elevados e podem ser reativados sem qualquer impacto inflacionário.
As centrais sindicais estão começando a sinalizar a disposição de negociar nível de emprego pela flexibilização da jornada de trabalho anual. A reforma tributária deve ter como um dos objetivos a redução dos encargos trabalhistas para estimular a contratação e reabsorção da economia informal.
A economia informal tem de ser assumida pelas políticas oficiais, com linhas especiais de crédito e formas de apoio e fomento, para que a pequena economia informal se desenvolva com regularização de suas atividades. O Brasil precisa combater a exclusão social dessa multidão de brasileiros e, para isso, é preciso emprego, emprego e emprego.

Texto Anterior: Brasil tem 25 bancos estatais
Próximo Texto: Projeções da economia mundial
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.