São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995
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Birosqueiro na administração pública

OSIRIS LOPES FILHO

A reforma da administração, constitucional, proposta pelo governo federal, constitui demonstração de competência e ousadia.
Justiça seja feita. O Executivo manipulou com maestria a sua concepção de reforma, para vendê-la à opinião pública. Parecia a aplicação, feita pelos tecnocratas, da teoria da oferta e da demanda.
Obteve-se o equilíbrio entre a insatisfação do povo em relação à prestação de serviços públicos básicos -educação, saúde, assistência social- e a solução mágica que se oferecia, cheia de bodes expiatórios, em esconjuração pública das insuficiências da ação governamental em atendimento das necessidades do povo.
O primeiro bode expiatório foi a Constituição. Alegou-se que a responsabilidade maior da ineficiência governamental repousa na disciplinação que ela estabeleceu para a administração pública e os direitos e garantias do servidor público. Logo, atraiu-se a adesão dos setores interessados na destruição da estrutura constitucional básica, sob o argumento de que, com esta Constituição, o país é ingovernável. Velha cantilena reacionária.
Em seguida, elegeu-se o servidor público como responsável pela insuficiência dos serviços públicos. O ministro Bresser Pereira assumiu a função de exorcista-mor, a expurgar o pobre diabo do servidor, protegido pela estabilidade.
Esse instituto, que foi concebido para proteger o interesse público dos humores variados do governo, para se conseguir uma administração independente, neutra politicamente, eficiente, observante das leis, com alto padrão de moralidade, pelo maquiavelismo da pregação governamental, transformou-se no empecilho à obtenção de uma boa administração.
Aí conseguiu-se encantar os governadores e prefeitos. Possibilitando-se a demissão dos servidores públicos, dois objetivos seriam alcançados: redução da folha salarial, desafogando as finanças, e a nomeação dos apaniguados.
Mas o desmonte do aparelho estatal não estava completo. Para solidificar a volta ao passado clientelista, concebeu-se um processo seletivo para substituir o concurso público. Na época moderna dos shoppings e hipermercados, veio o ministro Bresser com uma proposta rústica, típica de birosca.
Mascara-se a proposta com pálio moralista. Pretende-se que a remuneração do presidente da República seja o limite à remuneração do servidor público. Ora, o artigo 37, inciso 11 da Constituição já fixa os limites máximos de remuneração, respeitando-se a independência e harmonia dos poderes.
Falta disposição ao governo para cumprir a Constituição atual. Fez bem o deputado Prisco Viana em emitir parecer demonstrando as inconstitucionalidades e inconsequências da proposta governamental. Bráulio neles, deputado.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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