São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995
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Fim da Guerra Fria no espaço

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 12 de junho deste ano, a lançadeira Atlantis acoplou-se ao módulo Kristall, um laboratório da estação Mir, formando um gigantesco complexo orbital de 200 toneladas a 400 km de altitude.
Nessa ocasião, teve início a primeira missão de cooperação russo-americana do acordo assinado entre os dois países em 1993, que prevê seis outras missões. Elas se sucederão até o fim de 1997, o que permitirá a quatro astronautas da Nasa estagiar de quatro a cinco meses no complexo orbital russo.
Tais missões conjuntas, que estão custando US$ 400 milhões aos EUA, têm como objetivo preparar a construção da futura estação orbital internacional Alpha, batizada oficialmente Issa (International Space Station Alpha), na qual participarão, além de russos e norte-americanos, canadenses, japoneses e europeus.
Essa autêntica revolução no programa espacial mundial deve-se à situação crítica nas duas potências. A inflação dos orçamentos espaciais e a crise econômica obrigaram-nas a restrições incompatíveis com seus dois projetos mais ambiciosos: a estação Freedom, nos EUA, e a Mir-2, na Rússia.
Com relação à Rússia, suas enormes ambições espaciais não conseguiram resistir ao afundamento do sistema soviético. Seus projetos gigantescos, como o foguete Energia, a nave recuperável Buran e a segunda geração da estação espacial, foram paralisados.
O lançador Energia, capaz de colocar em órbita uma massa de cem toneladas, só foi testado uma única vez, em 15 de maio de 1987. No entanto, havia sido concebido para levar ao espaço os elementos mais pesados da Mir-2 -complexo orbital que deveria substituir a atual estação Mir-1 em 1996.
Esse lançador mastodonte Energia, que levou ao espaço a nave Buran em seu único vôo experimental, a 15 de novembro de 1988, deveria ser o principal lançador da nova era espacial soviética. Mas o terceiro exemplar do lançador Energia espera até hoje, no setor de integração, uma ordem para ser ativado. De modo idêntico, duas naves Buran, incompletas, dormem nas plataformas.
A atual cooperação entre a Rússia e EUA é consequência da impossibilidade de a RKK Energya, empresa espacial russa, ativar e colocar em uso o Energia e a Mir-2. Ao tomar consciência da situação de insolvência, em 1992, a RKK entrou em contato com a Nasa e com a indústria norte-americana. Se, por um lado, o projeto da estação Freedom, dos EUA, não obtinha recursos, por outro lado, a oferta dos russos constituía uma solução para a crise da Nasa.
Desse modo, seria possível absorver toda a experiência que os soviéticos haviam acumulado em dez anos com as estações orbitais, campo no qual os russos são superiores aos norte-americanos. De fato, a experiência dos EUA se resumia ao Skylab, estação experimental desenvolvida aproveitando módulos da Apollo, em 1973.
Em 1984, Ronald Reagan fez do projeto da Freedom uma das últimas ambições americanas para o fim do milênio. Tratava-se de um projeto nitidamente político, no qual Reagan convidada Europa, Canadá e Japão a se associar na realização e financiamento de uma atividade que prometia engolir, a cada ano, mais de US$ 2 bilhões.
Fragilizada pela explosão da Challenger, a Nasa enfrentava redução financeira severa, não só por motivos técnicos, mas também de ordem moral, pois foi acusada de malversação de recursos em contratos com várias firmas, entre elas Boeing, McDonnell Douglas, Grumman, Rockwell etc.
Quatro anos mais tarde, depois do anúncio de Reagan, em 29 de setembro de 1988, EUA, Canadá, Japão e membros da Agência Espacial Européia assinavam em Washington um protocolo para realizar e explorar uma estação espacial (Freedom), que seria habitável ainda no fim do século.
A Nasa seria responsável pela infraestrutura principal. O Canadá, pelo sistema robótico com braço telemanipulador. O Japão e a Europa (ESA) fariam um laboratório cada um: o JEM (Japanese Experiment Module) e o Columbus.
A estação Freedom não será jamais construída. Em março de 1993, o governo Clinton solicitou à indústria norte-americana que revisse o projeto reduzindo os custos. Dessa revisão nasceu o projeto Alpha, versão bastante reduzida e simplificada da Freedom original.
Meses depois, a mesma administração Clinton, preocupada em não deixar que os avanços russos fossem abandonados, aceitou a oferta da RKK Energya de oferecer seu conhecimento em matéria de complexo orbital aos EUA.
Trata-se de uma solução vantajosa para os dois lados: a agência espacial russa obteve os recursos para manter a Mir-1 no espaço, e a Nasa, a possibilidade de treinar astronautas em estágios de longa duração na própria Mir-1. Ao mesmo tempo que os cosmonautas se familiarizam com a nave recuperável norte-americana, no Johnson Space Center, em Houston (Texas, EUA), os astronautas se habituam às tecnologias russas na Cidade das Estrelas, perto de Moscou.
Engenheiros da RKK Energya, KB Salyut e do centro espacial Krumichev multiplicam suas reuniões de trabalho com colegas da Boeing, Lockheed, McDonnell Douglas etc. Todos têm um único objetivo: estar preparados para o lançamento, em novembro de 1997, pelo foguete russo Proton, do FCB (Functional Cargo Block), primeiro módulo habitável da Issa.
Esse bloco central de 55 metros cúbicos -oriundo da Mir-2- foi concebido como um sistema que, com seus motores e seis toneladas de combustível, deverá assegurar a orientação em órbita da estação. Em 6 de fevereiro de 1995, um contrato entre a Lockheed e o Krumichev, no valor de US$ 215 milhões, deve cobrir a fabricação e lançamento do FCB. Seu custo seria cinco vezes maior nos EUA.
Dez lançamentos até o fim de 1998 -cinco de Baikonur (Cazaquistão) e cinco de Cabo Canaveral (EUA)- serão necessários para instalar ao redor do FCB os primeiros elementos da nova estação.
Os foguetes russos Proton e Zenith conduzirão uma cabine munida de um acoplamento, um módulo de serviço, um módulo de acoplamento universal, um mastro de apoio do sistema de alimentação elétrica e elementos pressurizados para os giroscópios, baterias e painéis de células solares.
As lançadeiras norte-americanas transportarão os elementos da estrutura, peças de junção e de acoplamento, um laboratório norte-americano, módulo de logística e um mastro equipado para a proteção térmica e controle de altitude.
Uma vez reunidos todos os elementos, o primeiro conjunto de 127 toneladas estará pronto para receber uma tripulação de dois a quatro astronautas. Trata-se de um embrião da futura Issa. De fato, só em 1999 e 2002 a estação atingirá suas dimensões definitivas.
Não menos de vinte lançamentos se sucederão nesse período para concluir a infraestrutura completa da estação mundial. A Nasa reservará uma dezena de missões das lançadeiras para o seu arranjo final dos mastros, cúpulas de observação e módulo de habitação.
Dois lançamentos de foguetes Soyuz fixarão o ACRV (Assured Crew Return Vehicle), um veículo Soyuz aperfeiçoado que, em caso de urgência, assegurará o retorno da tripulação a qualquer momento, com toda segurança. Quatro lançamentos de foguetes Proton conduzirão módulos de pesquisa. Três vôos da lançadeira norte-americana, previstos para o ano 2000, permitirão a instalação do módulo japonês JEM, de 8 toneladas, com uma plataforma externa. Em agosto de 2001, as 9,5 toneladas do laboratório Columbus Orbital Facility, da Nasa, serão adicionadas.
No ano 2002, uma enorme estação espacial de 415 toneladas estará girando em uma órbita circular a 420 km de altitude. Seis pesquisadores deverão trabalhar permanentemente, graças ao reabastecimento e manutenção assegurados pelas lançadeiras espaciais, pelos foguetes Proton (russo), Ariane-5 (europeu;), Zenith (ucraniano) e H2 (japonês). Estima-se que a Issa até 2012 custará uns US$ 15 bilhões.

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