São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
O HOMEM DE LA MANCHA
FERNANDA SCALZO
Almodóvar - Primeiro, porque é mais cômodo. Mas também porque o cinema para mim é representação, e exige sempre uma distância. Então prefiro, inclusive para representar minha própria cidade, recorrer a outra cidade. Em todo caso, minha cidadezinha é a da minha infância, aquela de que me lembro, e que é muito diferente de agora, porque mudou. Então prefiro recorrer a algo que seja parecido com ela. A cidadezinha da minha infância, a mim, hoje, me parece mais uma outra cidade do que a real. Folha - Você acha que os espanhóis e os latino-americanos, brasileiros incluídos, se encontram no drama? O fato de você ter colocado a gravação de Caetano Veloso de ``Tonada de Luna Llena" neste filme revela essa identidade no drama? Almodóvar - O filme é sobre as emoções, sobre como uma mulher sobrevive a uma grande crise. Essa é uma história que se pode contar em qualquer lugar. O modo de contar é o que distingue a pessoa e a cultura a que ela pertence. Mas com certeza temos uma sensibilidade comum ampla, porque também há todas as diferenças. Eu não conhecia o compositor venezuelano Simon Dias, autor da ``Tonada de Luna Llena". Mas, como sempre, o que me levou a escolher a canção foi a própria história e o tom. Na sequência final, eu queria deixar um sabor doce, um sabor muito agradável, e tudo isso a voz de Caetano tem. Mais do que utilizar uma canção que una as culturas (o que é maravilhoso quando ocorre, e neste caso adoro o fato de ele ser um cantor brasileiro que se ouve na Espanha), escolhi Caetano porque ele tem uma voz preciosa e canta a ``Tonada" como se fosse uma canção de ninar. Sua versão me parece extraordinária e coincide com o que eu realmente queria: ninar o espectador até que ele chegasse em casa. E isso eu consegui por meio desta canção e o modo como Caetano a canta. Fora isso, acho que nós temos, sim, uma sensibilidade comum. Folha - Você disse a uma revista francesa que o cinema é uma arte menor em relação à literatura. Acha mesmo isso? Almodóvar - Não, não é necessariamente uma arte menor. O que disse é que eu, como escritor e como cineasta, me encontro mais capacitado para o cinema. Mas, sem dúvida, acho que na literatura há mais amplitude para contar uma história, mais elementos. O fato de em um filme ter que se ver o que se está contando me parece que provoca certa limitação narrativa. Estava falando em termos especificamente dramáticos ou narrativos. Não havia valoração, porque um bom filme é um milagre e um bom romance também. Estava falando mais de técnicas. Folha - Se você fosse um romancista, gostaria de ser como quem? Almodóvar - Bom, primeiro ia querer ser original. Mas há muitos romancistas que eu gosto. Por exemplo, Henry James e todos os grandes romancistas do século passado, como Flaubert. Gostaria de ser Henry James. Não teria o seu tom britânico, mas queria ter a sua maestria para falar das pequenas coisas. Só que as minhas pequenas coisas pertenceriam a outra cultura, evidentemente. Mas gostaria de ter o controle sobre a linguagem que ele tem. Folha - Você disse que na Espanha há mais melhores atrizes do que atores. Você acha que Antonio Banderas faz falta ao cinema espanhol? Almodóvar - Na Espanha, por uma razão cultural, há mais atrizes do que atores, em quantidade. Isso Lorca já dizia há mais de 50 anos. Antonio é um bom ator, está fazendo uma carreira importante, mas não baseada em bons filmes. Em todo caso, está quebrando um mito, porque nenhum ator espanhol conseguiu trabalhar tanto em Hollywood. O cinema espanhol não precisa de Antonio Banderas. Mas gostaria que ele fizesse mais filmes espanhóis, isso sim. Folha - E o que você acha de ele estar trabalhando agora com Sylvester Stallone? Almodóvar - Olha, acho que quem tem que fazer a avaliação disso é o próprio Antonio. Eu nunca vi nenhum filme de Stallone, e ele é provavelmente o ator que menos me interessa no mundo. Mas se interessa a Antonio esse tipo de atuação e esse tipo de produto, acho que é seu direito fazê-lo. Ainda mais se ele está conseguindo sucesso. Eu gosto de Antonio em outros papéis, gosto dele como ator. A mim me interessa a sua carreira como ator. Mas ele está conseguindo outras coisas. Folha - Quando você faz sua lista de diretores preferidos (leia ao lado), você não menciona nenhum da Nouvelle Vague. Essa época do cinema francês nunca interessou você? Almodóvar - Da Nouvelle Vague me interessam filmes. Me interessa uma parte da carreira de Claude Chabrol, me interessa muito uma parte da carreira de Godard. Eric Rohmer é provavelmente o que mais continua me interessando. Mas gosto também de alguns filmes de François Truffaut. Acho que a Nouvelle Vague, vista de agora, não contribuiu com muitos filmes. Há exceções, naturalmente, ``Acossado" é uma exceção, ``O Desprezo" e ``O Demônio das Onze Horas" (``Pierrot le Fou") também são exceções (todos de Jean-Luc Godard). Mas, como movimento, me parece que o neo-realismo italiano sobreviveu muito melhor do que a Nouvelle Vague. Também o Free Cinema inglês sobrevive e sobreviveu melhor que a Nouvelle Vague. O expressionismo alemão, como movimento, é muito maior que todos os outros, ainda que tenha sido há mais de 50 anos. Folha - O que você espera fazer em seu tempo livre no Brasil? Qual sua fantasia em relação a este país? Almodóvar - O que pretendo é me impregnar, sem muita programação, de tudo o que acontece, sobretudo em um nível mais popular. Gostaria de ver uma escola de samba, gostaria de passear livremente pelas áreas mais pobres. Também queria poder assistir a festas populares, mas festas populares autênticas. Texto Anterior: O HOMEM DE LA MANCHA Próximo Texto: Folha e Mostra fazem debates Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |