São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995
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O HOMEM DE LA MANCHA

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

Pedro Almodóvar chega ao Brasil esta semana para lançar na 19ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, seu novo filme, "A Flor do Meu Segredo" (que abre a mostra na próxima quinta-feira). Na Europa, o filme foi recebido como um "Almodóvar maduro". Mais sóbrio nas cores e sem os cenários estilizados que fizeram sua fama, Almodóvar decidiu apostar em uma "estética realista", ele diz.
O diretor espanhol, aos 44 anos, fez uma volta literal às suas origens e foi filmar parte da história da escritora Leo (Marisa Paredes), protagonista de "A Flor do Meu Segredo", na região de La Mancha, no centro da Espanha, onde nasceram ele, Don Quixote e o criador deste, Cervantes.
"A Flor do Meu Segredo" conta a história de Leo, uma escritora de romances cor-de-rosa que entra em crise em relação à profissão e a seu marido, que a trai. O mundo deixa de ser cor-de-rosa para ela. E é justamente a volta às origens -à mãe e à cidade natal- que vai permitir à escritora se refazer e se reencontrar.
Pedro Almodóvar, que vem ao Brasil acompanhado das atrizes Marisa Paredes e Rossy de Palma (que interpreta a irmã de Leo), participa no próximo sábado, no Masp (Museu de Arte Moderna de São Paulo), de um debate promovido pela Folha e pela Mostra de Cinema (leia box).
"Procuro ser cada vez mais transparente e mais direto em meus filmes", diz o diretor. Ele falou à Folha por telefone de Nova York, onde esteve na semana passada para o lançamento de "A Flor do Meu Segredo".
*
Folha - Neste seu último filme, ``A Flor do Meu Segredo", você parece que mudou, que está mais sóbrio nas cores e no tom. É verdade?
Pedro Almodóvar - Acho que todos os meus filmes são diferentes entre si, mas em todos eles é possível me reconhecer. Este filme é de um gênero distinto: é um drama. Achei que o filme merecia um outro tom. É um filme diferente dos outros, mas também nele estou completamente inteiro.
Não é que eu pessoalmente tenha mudado. Simplesmente, nele, abordo um outro gênero, apesar de todos os meus filmes participarem do gênero dramático. Como ``De Salto Alto", por exemplo, que é mais exatamente um melodrama, porque tem muito humor e onde, além disso, a história transcorre de uma maneira muito extremada. E outras coisas também fazem com que o drama transcorra de uma maneira mais suave em ``De Salto Alto".
``A Flor do Meu Segredo" é um drama sóbrio, austero, ainda que tenha muitos personagens. É diferente, mas é completamente meu. É um filme de enorme transparência, e esse era o objetivo para mim.
Folha - Você disse que procura ser cada vez mais sincero no cinema. Você acha que é mais fácil ser mais sincero nos filmes do que nas relações pessoais?
Almodóvar - Mais do que ser mais sincero, eu diria que quero ser mais direto. Porque sincero eu fui em cada uma das imagens que já fiz. Sempre com absoluta sinceridade, desde o princípio. Procuro nesse momento ser mais transparente e mais direto.
Mas você perguntou se é mais fácil ser mais sincero no cinema do que na vida? Sim, pelo menos para mim, é mais fácil ser mais sincero no meu trabalho do que na minha vida.
Folha - Em seus filmes há uma predominância de personagens de mulheres fortes. Você acha que as mulheres são melhores para expressar os sentimentos, são mais explícitas?
Almodóvar - Sim, com certeza. Não é que sejam mais explícitas, mas têm um registro maior para manifestar as emoções. E também têm menos vergonha de expor as emoções. E são mais expressivas, porque têm menos medo de mostrar o que sentem. Acho que isso é uma vantagem.
Folha - Como cineasta, você acha mais fácil criar personagens de mulheres?
Almodóvar - Eu gosto mais das personagens femininas. Também gosto de personagens masculinos, mas eles basicamente dependem dos atores que os fazem, mais do que de mim mesmo. Se tenho um bom ator, o personagem masculino vai adiante. Na Espanha, temos melhores atrizes do que atores.
Mas é certo que eu, no roteiro, apóio muito mais as personagens femininas. Ainda que ``Matador" seja um filme sobre um personagem masculino -e ``A Lei do Desejo" também e ``Ata-me" também. Mas acho que há uma supremacia das personagens femininas.
Folha - Você acha que o diretor de fotografia brasileiro Afonso Beato, com quem você trabalhou neste filme, contribuiu para a mudança de tonalidade nas cores em ``A Flor do Meu Segredo"?
Almodóvar - Afonso fez um trabalho muito rápido e eficaz e logo me entendeu muito bem. Acho que é um grande diretor de fotografia. Nossas culturas, a brasileira e a espanhola, não são tão distintas. São culturas muito barrocas e exuberantes por natureza.
Se eu tivesse chamado um sueco, o diretor de fotografia de Bergman, por exemplo, provavelmente teria que lhe explicar melhor por que queria tantas cores. Para Afonso, não era necessário explicar, porque isso também estava dentro dele.
Folha - Mas não é curioso que vocês dois, barrocos e exuberantes, tenham se juntado para fazer um filme menos colorido?
Almodóvar - Não é curioso. Acontece que quero fazer muitos tipos de filmes. Espero continuar surpreendendo sempre no futuro.
Folha - Este filme é mais realista do que os outros, não?
Almodóvar - Sim, acho que o fato de dizerem que este filme é diferente dos outros é justamente por isso. Desde que escrevi o roteiro, decidi que o melhor para o filme seria uma estética mais realista e um tom mais realista, na decoração, nas cores, na interpretação. Essa decisão provocou todas as outras. O filme é muito mais realista, sim.
Folha - Mas o que o roteiro tem de diferente dos outros que o levou a decidir pelo realismo?
Almodóvar - Sempre é o roteiro que domina esse tipo de decisão. Mas, veja bem, já havia feito um filme sobre uma mulher abandonada -ou mais de um. Enfim, ``Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" é sobre uma mulher abandonada, mas é uma comédia com muitos personagens. Então, para mim, o único sentido em fazer outro filme sobre uma mulher abandonada era contar outra história, em outro tom, como fiz.

Continua à pág. 5-5

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