São Paulo, domingo, 15 de outubro de 1995 |
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Casa Branca e Senzala
GILBERTO DIMENSTEIN Até agora, recebi uma lição importante dos Estados Unidos: uma lição dolorosa porque abate minha ilusão sobre o Brasil.Está associada aos ensinamentos do caso O. J. Simpson e à marcha dos negros marcada para amanhã em Washington. A tensão racial, assunto que eletriza o país, traz à tona estudos sobre a situação do negro nos EUA. Um deles é particularmente impressionante. De cada três negros americanos entre 20 e 29 anos, um está na cadeia ou em liberdade condicional, e a proporção piora cada vez mais. Esse número tem muito a ver com o Brasil e mostra como o esforço para superar a pobreza e o apartheid social, nossas duas maiores pragas, é maior do que eu imaginava. Esse é o motivo pelo qual a lição é dolorosa. Além do número de presos, há uma cadeia de péssimos indicadores: os negros são quase 50% dos que vivem abaixo da linha de pobreza e a maioria dos desempregados e dos que deixam a escola. São negras quase 70% das adolescentes que engravidam. Os Estados Unidos têm, obviamente, muito mais vantagens do que o Brasil. A começar pelos recursos públicos e privados para enfrentar a pobreza. Estima-se que, por ano, sejam gastos US$ 200 bilhões em filantropia. A economia, no geral, vai bem. Há anos não pára de crescer, a inflação é baixa e há picos de produtividade. Os norte-americanos retomaram a liderança tecnológica perdida em muitas áreas para o Japão. Durante anos foram desenvolvidas ações destinadas a integrar o negro na sociedade, criando cotas nos empregos e universidades -tantas foram as conquistas que geraram reação dos brancos conservadores. O ensino público tem deficiências, mas é muitíssimo melhor do que o brasileiro. Sei disso porque, aqui em Manhattan, meus filhos estudam em escola pública, onde a maioria é negra ou hispânica. É uma sociedade mais organizada, com agressivos grupos de pressão dentro e fora do Congresso -eles têm mais acesso à imprensa e aos meios de comunicação. Apesar das inúmeras deficiências, os funcionários públicos da área social (professores, funcionários da saúde etc.) têm salários e condições de trabalho razoáveis. Uma professora iniciante de ensino básico ganha, em média, US$ 3 mil. Ganha, aliás, mais do que em uma escola privada. Com tudo isso, cada vez mais gente vai para a cadeia (é a maior população carcerária do mundo, chega a 1 milhão), cai a média salarial do país e piora a distribuição de renda. Imagine-se, então, no Brasil, onde a pobreza é maior, a elite é essencialmente escravocrata, o serviço público é um caos (na área social, um caos e meio), as faculdades padecem por falta de dinheiro, professores se aposentam com 50 anos de idade, e os pobres são desorganizados. Para agravar, falta, na média, vontade política nos níveis municipal, estadual e federal. PS - Não estou gostando, claro, do ritmo social do governo Fernando Henrique Cardoso. Nesse particular, o PT tem dado melhores exemplos. Basta ver os projetos educacionais em Brasília. Reconheço, entretanto, que nunca grupos tão vulneráveis (crianças prostituídas, mulheres e meninos de rua) tiveram tanto espaço na agenda federal. Como no Brasil, o assunto desemprego está no topo da agenda dos EUA, até porque afeta a classe média, acostumada a ver o populacho perder o emprego. Uma tendência aumenta o pânico dos altos funcionários: graças aos avanços dos meios de comunicação, muitas empresas de ponta preferem contratar técnicos em países de mão-de-obra qualificada e barata sem trazê-los para cá. Um engenheiro indiano custa um quinto do que seu colega americano e tem o mesmo preparo. Aviso aos analistas políticos brasileiros. Sérgio Motta não fala mais o que o presidente Fernando Henrique Cardoso pensa. Ele, de fato, é amigo íntimo do presidente (ninguém é tão próximo), mas tem uma agenda própria. Está obcecado com a idéia de virar prefeito de São Paulo. Importantes funcionários do Ministério da Fazenda aproveitaram a passagem pelos Estados Unidos nesta semana, quando ocorreu a reunião do FMI, para difundir entre investidores e banqueiros o rumor de que José Serra, na busca de mais espaço político, quer o lugar de Pedro Malan. Aliás, alguns deles, entre os quais Gustavo Franco, festejaram a reportagem da Folha que exibia a lista de apoio das empreiteiras à campanha do ministro do Planejamento. Como memória não faz mal à saúde, lembro: faltam ainda 75 dias para a Fiesp confirmar suas previsões de que, neste final de ano, o Brasil estaria mergulhado em recessão, em meio à quebradeira generalizada. O Congresso americano está ampliando um debate que existe há tempos nos meios jornalísticos dos EUA. Um debate que, mais cedo ou mais tarde, vai chegar ao Brasil -se não me engano, nenhum ombudsman brasileiro tocou ainda nesse assunto. Um parlamentar quer que os jornalistas tornem transparentes o valor e o nome dos responsáveis por pagamentos de palestras. A visão dominante nas chefias das redações dos principais jornais americanos é que receber de empresas, mesmo sob forma de palestras, comprometeria a independência. PS - Importantíssimo: depois de nove anos de estudos envolvendo renomados psicólogos e especialistas em educação, foi lançado nesta semana a mais completa investigação sobre adolescentes entre 10 e 14 anos. Esse período é considerado a última chance de moldar o comportamento e estimular a curiosidade intelectual. Estão registradas, entre milhares de outras coisas (impacto das drogas, ausência paterna e televisão, por exemplo), bem-sucedidas experiências educacionais. Devido à importância desse estudo para o Brasil, terei o maior prazer em dar mais detalhes pela Internet. Texto Anterior: EM RESUMO Próximo Texto: Salgado fotografa migração da ex-URSS Índice |
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