São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 1995
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Na Libéria, há uma luta que não liberta

MARCELO PAIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Tem uma guerra por aí que ninguém comenta, ninguém tem nada com isso, em nome do quê? Como todas as guerras, ou melhor, como dizem os comandantes, em nome da liberdade.
O país está destruído. Não há saída. Uma guerrinha tola, que já matou 400 mil civis (!?); foi o que li no "Los Angeles Times".
É na Libéria, país escolhido por muitos dos escravos americanos libertados no século passado que quiseram voltar para a África. E ninguém sabe onde é a Libéria. E continuam morrendo. E nós aqui.
Na verdade, já houve 12 tentativas de acordo de paz e 17 cessar-fogos. Nada.
São mais de cinco anos de uma das guerras mais absurdas que já se teve notícia. Começou com uma revolução popular contra um ditador, Samuel Doe. Virou um banho de sangue sem nexo.
Agora, são as crianças e adolescentes que tocam a guerra, já que os soldados adultos já morreram ou fugiram. E encontrar garotos carregando AK-47, dopados por anfetaminas, é tão comum quanto encontrar corpos carbonizados nas ruas.
Quem luta? O NPLF contra o LPC, que luta contra o LDF, que é rival do ULIMO. São gangues armadas até os dentes.
"Todo mundo quer ser presidente da Libéria e viver num palácio", diz o jornalista liberiano James Dorbor. Em Monrovia, a capital, não tem eletricidade nem água, 75% da população estão desempregados, vivendo entre as ruínas. As gangues são tão violentas que botaram para correr os missionários e os observadores da ONU.
"Essa não é uma guerra como outra qualquer. Não existe qualquer ideologia. São crianças que recebem dinheiro e treinamento para lutar", diz Esther Guluma, da Unicef.
Thomas Teague, diretor do Programa de Assistência à Criança Liberiana, procura encontrar uma explicação: "O adulto tem de pensar sobre o que faz. Mas a criança não tem ninguém que a segure. Elas cheiram sangue e só querem saber de matar".
O comandante regional das forças rebeldes, general Charles Dent, que gosta de ser chamado de "General Snake", é um garoto de 20 anos, que usa óculos Ray-Ban e masca chicletes o tempo todo. Ele começou a lutar quando tinha 15 anos e adora. Segundo ele, os morteiros e as granadas soam como um reggae.
O país não tem mais governo nem Forças Armadas, a economia está um caos e a ONU não sabe o que fazer.
E depois, dizem que não se pode confiar em alguém de mais de 30 anos. Por que estou te contando tudo isso? Sei não, meu irmão. Hoje não estou para lições de moral. Sorry...

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