São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 1995
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Brioches, senhor presidente?

LUÍS PAULO ROSENBERG

Quem se limitar a ouvir o governo ficará com a impressão de que mente quem afirma que o Brasil vai bem: ele vai otimamente e só os antipatriotas podem ver qualquer problema na conjuntura atual.
Tomemos o cotidiano do presidente: dá gargalhadas dos que se preocupam com a recessão, afirma que é sua a política de juros altos, tira de letra a troca do comando do BNDES, recebe elogios do FMI enquanto afaga o presidente da Câmara Federal.
Sob risco de ser tachado de coveiro, cassandra, órfão, viúva, fracassomaníaco, permitam que eu me mantenha fiel à objetividade e lance dúvidas onde ora paira o deslumbramento.
Como apostador de primeira hora no Real, continuo acreditando no plano e reservando-lhe um lugar histórico, por ter provado que a coabitação inflacionária não era tara irredutível do brasileiro. Não vejo, mesmo, nenhuma ameaça de ruptura, já que o plano conseguirá manter a inflação mensal abaixo de 2% até o final do ano e entre 15% e 20% no acumulado de 96.
Há que se ir mais a fundo, entretanto, na avaliação de uma política macroeconômica. Para ser eficiente, ela tem que ser implementada ao menor custo possível para a sociedade, sem criar contradições que a engolirão no futuro. É, portanto, para as contradições da pilotagem do plano que devemos voltar nossas atenções.
Comecemos pela recessão que passou, segundo o presidente. Uma avaliação fria dos dados de setembro e seus cinco fins-de-semana revela que o desaquecimento vai muito bem, obrigado: continua ganhando dinheiro somente quem vende alimentos; o setor automobilístico promoveu a maior queima de estoques, distorcendo as estatísticas; no mais, vendeu sem margem quem precisava gerar caixa para pagar bancos.
Nenhuma reversão no consumo e o desemprego é crescente: afinal, comemorar a redução da taxa de desemprego (ainda que tenha aumentado o número de desempregados) no mês em que o setor se prepara para produzir para o Natal é equivalente a procurar o puro-sangue árabe com o balde de estrume na mão. O governo poderia esperar pelos dados de outubro antes de projetar um Natal mais alegre e se orgulhar desses juros mentecaptos que vêm sendo praticados.
Outro sinal tristonho foi a saída de Edmar Bacha. Elegante e sóbrio, alega motivos pessoais para demitir-se do BNDES. Pode ser, mas não é, no mínimo, estranho que três dos melhores cérebros que nossa comunidade foi capaz de produzir tenham saído por razões particulares enquanto carreiristas e cabeças-de-bagre sentem-se perfeitamente em casa para continuar na equipe econômica de Fernando Henrique? Esse processo preocuparia o presidente ou a moagem de acadêmicos éticos nos moinhos dos políticos travestidos de técnicos é parte do jogo?
Outra questão, mera curiosidade quanto a critérios de consistência: se o presidente determinou que o candidato a presidente do BNDES tem de se desfazer da participação acionária no pequeno banco do qual é sócio antes de assumir, por que o ministro da Agricultura não recebe igual tratamento, sendo obrigado a vender sua participação no grande banco que controla para continuar ministro?
Quanto aos elogios do FMI, a instituição chega, mais uma vez, atrasada. Negou-se a apoiar nossa renegociação externa, duvidou do Real, aceitou a sobrevalorização da moeda e só agora tira o chapéu ao engenho e arte brasileiros.
Lamentavelmente, a empanar o brilho das comemorações, levamos, concomitantemente, uma merecida cacetada na Organização Mundial do Comércio, por tentarmos ressuscitar o regime de cotas sobre a indústria automobilística.
Vem punição para os responsáveis por tal humilhação do país perante a comunidade internacional ou fica tudo por isso mesmo -erros cometidos por próceres peessedebistas têm anistia automática?
O mais grave, contudo, é que as reformas não andam, os juros vão elevando a conta do serviço da dívida pública e a fragilidade política do governo força-o a ceder e ceder às chantagens fisiológicas. Desapareceu a solidariedade partidária que caracterizou o primeiro semestre deste ano.
A saúde do Estado está se deteriorando a olhos vistos. E essa é uma ameaça mortal ao plano. Não imediata, nem barulhenta. Ela é insinuante, traiçoeira, cresce a cada concessão ao déficit, a cada mês em que os juros tardam a cair. Dissimulada, penetra fundo no território presidido pelo sociólogo com traços de Maria Antonieta, enquanto seus cavaleiros da economia estão distraídos, dedicando-se às intrigas da corte e tolerando o aniquilamento dos talentosos.

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