São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 1995
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Paradoxos

Em interessante artigo publicado nesta Folha ontem, o médico pediatra e reitor da Unicamp, José Martins Filho, faz uma apreciação bastante oportuna de recente relatório publicado pelo Unicef.
E os números obtidos por essa agência da ONU de fato impressionam. Nas 101 nações em desenvolvimento e 35 em estado de pobreza crônica abarcadas pelo estudo, a expectativa de vida média saltou de 47 anos em 1960 para 62 em 1990. Nesse mesmo período, a escolaridade básica (entre crianças de 6 a 11 anos) passou de 48% para 77%. A mortalidade infantil caiu de 216 por mil crianças nascidas vivas para 107. O número médio de filhos por casal baixou de 6 para 3,8.
É mais do que evidente que esses números não transformam o planeta num jardim do Éden, mas demonstram que os avanços científicos e programas de saúde pública, planejamento familiar e escolarização trazem resultados em prazo relativamente curto.
O paradoxal no relatório do Unicef é que esses notáveis resultados ocorrem numa situação de agravamento da concentração de renda. É inegável que as condições de vida dos mais pobres melhoraram, apesar de eles ficarem relativamente mais pobres. Os 20% mais ricos do mundo detêm hoje uma parcela de 85% do PIB do planeta. O quinto mais pobre da população fica apenas com 1,4% desse bolo.
Com os violentos cortes de vagas de trabalho que a globalização da economia impôs às empresas, o que se antevê é uma piora ainda mais notável na distribuição global de renda. Incorrendo na ousadia de tentar prever o futuro, pode-se dizer que, dentro de mais algumas décadas, o mundo terá duas espécies de cidadãos: os empregados, ganhando muito e vivendo bem, e os desempregados, sobrevivendo à custa de programas assistenciais.
Resta esperar que a primeira categoria comece desde já a investir mais nesses programas. Não existe lei física ou de mercado que impeça cidadãos de ter acesso a uma vida digna (com saúde, alimentação e educação) mesmo que não tenham emprego. Se a renda não é mesmo distribuída, ao menos os ganhos tecnológicos devem ser.

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