São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Curador italiano propõe 'diáspora' artística

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

O crítico italiano Achille Bonito Oliva, responsável pela curadoria da Bienal de Veneza de 1993, é um dos seis curadores internacionais de Universalis, nome dado à 23ª Bienal Internacional de São Paulo, a ser realizada entre outubro e dezembro de 1996 e que terá como tema "A desmaterialização da arte no final do milênio".
Em entrevista à Folha, Oliva pregou a recuperação do caráter social da arte e das funções da comunicação.

Folha - O senhor acredita que "A desmaterialização da arte no final do milênio", tema da próxima Bienal Internacional de São Paulo, indique alguma direção para a arte contemporânea?
Achille Bonito Oliva - Indica o desenvolvimento de toda a arte no século 20, uma arte formada pela reunião de fatores linguísticos ligados mais ao conceito que ao objeto. Assim, a desmaterialização é um processo progressivo que encontrou na telemática uma posterior ocasião de desenvolvimento em direção ao ambiente e desenvolve imagens sempre mais ligadas ao tempo e menos ligadas ao espaço e ao corpo.
Folha - Seguindo este raciocínio, a bienal repetiria a proposta da última bienal, que tratava da "ruptura do suporte"?
Oliva - Não. No ano passado, a bienal tratava da ruptura do suporte específico da arte. Era um tema ainda dentro do território da linguagem da arte. A desmaterialização investe na antropologia cultural. É um tema que desenvolve cenários não específicos da arte, mas de toda a comunicação.
Sempre trabalhei com esta temática. Na bienal de Veneza de 93, da qual fui curador, trabalhei os conceitos do nomadismo cultural, multiculturalismo, transnacionalidade e multimidialidade.
Ao contrário de Jean Clair (curador da bienal de Veneza de 95, que extinguiu a seção Aperto, uma criação de Oliva dedicada aos jovens artistas), eu acho que o tema não seja o corpo e o espaço, mas o tempo. O corpo é trabalhado pela arte desde o Renascimento, passando pela perspectiva, pela bidimensionalidade do impressionismo e pelo tridimensionalidade, com as colagens e instalações.
Mas no século 20 o tema é o tempo. Pensemos em Freud e seu tempo interior, em Nietsche e o tempo fragmentário, no tempo aberto do futurismo, na realidade virtual. O tempo sublinha um aspecto da arte, que é seu poder comunicativo. A arte nasce com a necessidade da comunicação.
Folha - Como o senhor desenvolverá o tema da bienal em relação à Europa Ocidental, que é o território de sua curadoria?
Oliva - O título será "Decomposição 96 - Artistas em Diáspora", que trabalhará o nomadismo como uma idéia filosófica dos artistas que baseiam sua produção indo de uma linguagem à outra, com a multimídia, com a trama linguística. Trabalharei com artistas, cineastas, músicos...
Folha - O aspecto geopolítico europeu terá importância?
Oliva - Neste momento, a Europa é o cenário ideal para este tema, já que tem uma mistura de povos, de experiências, de conflitos sociais, econômicos, religiosos e militares. A nacionalidade hoje é um conceito fruto da mistura, da contaminação, da coexistência. Quando não há coexistência, há uma regressão para a lei do banho de sangue, como na ex-Iugoslávia. A Europa é um local ideal para o desenvolvimento de uma nova hipótese para o futuro.
Folha - A Itália produz hoje algum movimento artístico comparável à "arte povera" dos anos 50 e 60 ou à "transvanguarda" dos anos 70 e 80?
Oliva - Não, mas isto é normal. A arte tem um respiro biológico. Não pode, como a Fiat, mudar de modelo todo ano. Vivemos em uma época de transição que não permite a ligação dos artistas como um slogan. Hoje existe um retorno à responsabilidade moral do artista. Se a arte quiser ter um papel político, deve produzir formas capazes de propor a resistência moral do artista contra o caos.
Folha - Seria este o papel mais importante do artista em um mundo com suas relações sociais e éticas degradadas?
Oliva - Nunca como neste momento a arte pode recuperar uma função social fundamental. Os modelos caíram, e a arte, com sua capacidade de ser virtualidade, probabilidade e potencialidade, poderá dar estímulos abertos para um campo de reflexão.
Esta é diferença entre arte e televisão. A televisão desenvolve imagens frontais, estereotipadas, modelos autoritários para a massa. A arte não produz autoridade, mas uma atmosfera moral que permitirá ao espectador uma reflexão em primeira pessoa, um campo de indeterminação prolífico e criativo.

Texto Anterior: Homem precisa viver o presente
Próximo Texto: 'Frankenstein' vira espetáculo no Rio
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.