São Paulo, domingo, 22 de outubro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marido pobre veta independência da mulher

ALESSANDRA BLANCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ver os filhos internados na Febem durante dez meses por falta de dinheiro não foi o suficiente para o eletricista João Célio de Campos, 37, deixar sua mulher Eliane Clementino de Souza, 32, voltar a trabalhar.
No início, a Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) era apenas a solução provisória encontrada por Campos para cuidar dos sete filhos enquanto a mulher se recuperava de uma depressão pós-parto.
Depois, não conseguiu mais tirar as crianças. Eliane ainda não voltou a trabalhar e engravidou mais uma vez. O sétimo filho do casal -oitavo de Eliane- nasce em novembro.
Eles agora recebem ajuda em dinheiro para as crianças, através de projeto do governo estadual.
Os oito filhos fazem Eliane se conformar em apenas cuidar da casa, pelo menos por enquanto. "Agora, não tem jeito. Graças a Deus temos ajuda da Febem", disse (leia depoimento ao lado).
Mas não são os filhos que levam Campos a proibir a mulher de trabalhar. "Não há necessidade, enquanto eu tiver força, eu trabalho e ela cuida da casa", diz. E ele não é o único a pensar assim.
Nem mesmo fome e falta de dinheiro tornam alguns maridos flexíveis quanto à idéia de ver a mulher trabalhando fora de casa.
Gina Nascimento, 39, trabalhou em uma gráfica até se casar, depois passou a cuidar da casa e dos filhos, hoje com 16 e 13 anos.
Quando o marido perdeu o emprego, voltou a trabalhar para sustentar os filhos ainda pequenos. Depois, mais uma vez virou "só" dona-de-casa.
"Ele não me deixa trabalhar. Tem ciúme. Já brigamos feio por isso. Desisti", diz Gina.
Há um mês, ela conseguiu um emprego em um hospital, no período noturno, mas não chegou a comparecer ao trabalho.
"Não havia desculpas. Eu trabalharia um período à noite e ainda cuidaria da casa e dos filhos durante o dia. Ele ganha R$ 500 por mês. Pagamos aluguel, precisamos de dinheiro."
O caso da costureira Regina Souza de Jesus, 35, não é diferente. Graças ao dinheiro que economizou, comprou casa, telefone e eletrodomésticos.
O marido de Regina é policial militar e ganha menos de R$ 1.000 por mês para sustentar os quatro filhos e uma sobrinha.
Regina diz que às vezes ajuda, quando consegue alguma costura para fazer em casa. Mas trabalhar fora, o marido não deixa.
"Moramos em Francisco Morato e ele não quer que eu pegue trem para ir a São Paulo", diz.
Segundo Regina, o marido não proíbe, mas costuma dizer que só ficaria feliz vendo-a trabalhar fora, se ela "tivesse uma profissão".
Regina foi criada em Franco da Rocha (Grande SP), não estudou e agora faz curso de alfabetização. Está na sétima série. "Meu filho ri de mim porque estou no mesmo ano que ele, mas vou conseguir me formar e trabalhar", diz.
A professora Roseli Zerbinato da Silva, 29, mulher do presidente da CUT (Confederação Única dos Trabalhadores), Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, também não trabalha fora de casa, mas por opção própria.
Roseli decidiu abandonar a escola em que trabalhava, quando nasceu seu filho. "Preferi ficar em casa cuidando dele."
"É um absurdo o homem proibir a mulher de trabalhar, seja pobre ou rico. Independência financeira é fundamental para qualquer mulher", diz.
Para a senadora Benedita da Silva (PT-RJ), os maridos impedem a mulher de trabalhar quando se sentem menos homens e menos poderosos com isso.
"Racismo e machismo superam até a miséria."

Texto Anterior: Advogado diz que família não influi
Próximo Texto: DEPOIMENTO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.