São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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Eu sei que você sabe que eu sei

JOÃO SAYAD

Há uma semana que saem artigos sobre o último Prêmio Nobel de Economia, professor Robert Lucas, mas peço licença para adicionar alguns esclarecimentos.
A contribuição de Lucas que justifica o Prêmio Nobel pode ser resumida mais ou menos assim: nos anos 40 e 50, a política econômica se baseava na idéia de que o governo sabe e o setor privado não. É época do planejamento indicativo, dos gastos do governo necessários à manutenção do pleno emprego e de prosperidade mundial.
Nos anos 60, a partir das críticas do professor Friedman, da Universidade de Chicago, o neoliberalismo começa a nascer. A política econômica se baseia na idéia de que o governo erra e o setor privado aprende. Ou seja, o governo atrapalha.
A teoria de Lucas completa o renascimento do liberalismo, radicalizando a idéia: o governo sabe que o empresário sabe o que o governo sabe. Em outras palavras: o professor Lucas supõe que empresários e trabalhadores pensam e reagem usando as mesmas teorias que economistas e governo usam -todos acreditam na mesma coisa. O gato mordeu o próprio rabo.
Alguns exemplos podem ajudar: nos anos 40 e 50 imaginava-se que, se o Banco Central aumentar o crédito, aumenta o emprego porque os preços sobem e o trabalhador não percebe. Há uma pequena inflação que ajuda a aumentar o emprego. Nos anos 60 imaginava-se que se o Banco Central aumentar o crédito, aumenta o emprego porque os preços sobem, mas os trabalhadores acabam aprendendo, exigem salários maiores e o emprego cai de novo.
O governo só atrapalhou: criou inflação e, no final, o emprego ficou igual. Com Lucas a coisa se radicalizou: se o governo aumentar o crédito, todos sabem que vai haver inflação, a inflação ocorre imediatamente e o emprego não aumenta.
Para que a polícia econômica dê certo, segundo Lucas, é preciso que os empresários-economistas e trabalhadores-economistas acreditem no governo. Se o governo tiver um compromisso sério com a restrição ao crédito, a inflação pára imediatamente.
Para combater a inflação basta que todos acreditem que o governo tem um compromisso sério com a manutenção de uma política de crédito apertado. Economistas, empresários e trabalhadores compartilham da mesma crença que corte de crédito combate a inflação. É a teoria do Lucas que introduz o conceito de credibilidade.
Hoje, para os economistas, tudo depende de credibilidade. O déficit público brasileiro é muito baixo, mas os empresários não acreditam que é baixo. Resultado: inflação. O déficit público americano é muito alto, mas os americanos acreditam que vai cair. Resultado: lá, déficit público não causa inflação. O México tem credibilidade, todos investem no México. Se o governo aprovar a reforma tributária, que todos acreditam unanimemente que é importante, tem credibilidade, acaba a inflação.
Credibilidade passa a ser pau-para-toda-obra. Chama-se credibilidade o ingrediente mágico que faz uma política econômica dar certo. As que dão errado não têm credibilidade por definição.
Os prêmios Nobel são dados aos gênios do tempo, aos que melhor expressam ou interpretam o espírito de uma época segundo os seus contemporâneos consagrados pela academia (escritores e poetas que têm sensibilidade excepcional para expressar as emoções do seu tempo), aos cientistas sociais que têm inteligência e capacidade analítica para interpretar analiticamente o seu tempo.
O professor Lucas é um gênio do seu tempo. Ainda que a teoria das expectativas racionais não explique por que a inflação americana caiu com um déficit tão grande e por que 15 anos de promessas não cumpridas por três presidentes não afetaram a sua credibilidade.
Apesar disto, Lucas merece o prêmio porque constrói o modelo dos nossos tempos de globalização dos mercados financeiros, quando o que importa é o que os investidores internacionais acreditam. E eles acreditam nos economistas liberais, que supõem, para fazer suas teorias, que os investidores acreditam nas mesmas teorias.
Se os economistas liberais acreditassem que a distribuição de renda desigual do Brasil gera inflação, e se os investidores internacionais acreditassem nestes economistas liberais "convertidos", cada vez que o Betinho recebesse uma nova doação de recursos para comprar comida, entraria mais capital externo no país. A teoria do professor Lucas serviria para outras verdades. Infelizmente, nem investidores internacionais nem economistas liberais acreditam em coisas que contrariem seus interesses.

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