São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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Pedro Almodóvar dá show de bom humor

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor espanhol Pedro Almodóvar esbanjou sinceridade e bom humor no debate de que participou anteontem no fim da tarde no Masp -evento promovido pela Folha e pela 19ª Mostra Internacional de Cinema. Respondeu a todas as perguntas do público com interesse e atenção.
Almodóvar chegou ao Masp às 17h35 a pé pela avenida Paulista, dando autógrafos e tirando fotos. Entrou no auditório acompanhado pelas atrizes Marisa Paredes e Rossy de Palma, que não ficaram atrás em suas performances públicas, e do produtor do filme "A Flor do Meu Segredo", Michel Ruben.
Eles se sentaram nos degraus na frente do palco do auditório do Masp e conversaram um pouco com o público até serem novamente cercados por fotos e autógrafos.
Debate oficialmente começado, os quatro se sentaram à mesa, acompanhados pelo promotor da Mostra, Leon Cakoff, e pelo diretor-executivo da Folha, Matinas Suzuki Jr. As perguntas do debate foram as mais disparatadas, como costuma acontecer nesse tipo de evento com o microfone aberto ao público, e provocaram vários momentos emocionantes e/ou engraçados para os que estavam no palco e na platéia.
Almodóvar contou, por exemplo, que chorou em diversas passagens enquanto escrevia o roteiro de "A Flor do Meu Segredo". "É uma grande história de desamor. Acompanhei a via-crucis dessa mulher", disse.
O diretor explicou que a primeira cena do filme (quando dois médicos estão encenando, para aprender, como dar a uma mãe a notícia da morte de seu filho) é uma metáfora do que vem a seguir: a morte de um sentimento. "A dor da morte de um sentimento equivale à dor da perda física de uma pessoa", disse Almodóvar.
Ainda sobre o processo de escrita do roteiro, o diretor afirmou que não pensa nos atores que vai escolher enquanto o texto não estiver pronto. Roteiro escrito, ele pensa nas possibilidades de elenco. Atores e atrizes escolhidos, ele readapta o roteiro, "como uma roupa sob medida", disse, para cada um.
Segundo Almodóvar, "escrever um filme e fazê-lo é algo muito consciente, mas nem tanto". "Quando escrevo deixo fluir coisas muito emocionais que não entendo no momento, mas que deixo sair. Não me importo que tenham ali coisas que desconheço. Há muitas coisas na obra de um artista, escritor ou cineasta que pertencem ao mundo do inconsciente e devem ser deixadas ali."
O diretor disse ainda que considera os atores os veículos com os quais trabalha, "equivalentes a um tubo de tinta para um pintor". Ele diz que faz com seus atores "um acordo tácito" para que as coisas funcionem na filmagem. "Deixa-se ele fazer o que quiser", disse Rossy de Palma para explicar o "acordo tácito". "Ele tem poder absoluto", acrescentou Marisa Paredes.
Ao responder se tinha medo de ser "estigmatizada" como uma atriz de Almodóvar, Rossy de Palma disse: "Estigmatizada é uma palavra horrorosa. Prefiro ser tatuada". Almodóvar pegou a palavra e começou a responder como se ele fosse a atriz: "Nos últimos sete anos transformei-me num ícone, porque sou maravilhosa ou porque as pessoas são loucas, não sei... Sou uma mulher com uma sede inesgotável de experiências e não quero que elas se reduzam a Pedro, por mais Almodóvar que seja".
Em outro momento do debate, o diretor também referiu-se a si mesmo ironicamente como se fosse uma marca registrada: "As pessoas dizem que meu último filme é diferente dos outros, que não é tão Almodóvar. Mas eu, que sou Almodóvar, digo que o filme é meu e que estou lá."
Sobre seu gosto pelo kitsch, Almodóvar disse que se interessa por essa "manifestação artística ou de seres humanos" porque não tem preconceito. "Mas é difícil estabelecer as fronteiras entre o que é maravilhosamente kitsch e o que é simplesmente intragável."
Almodóvar disse ainda que até agora tem se recusado a trabalhar nos Estados Unidos, embora já tenha recebido convites. "A verdade é que me dá medo. Se bem que você só é corrompido se quiser."
Ele já vendeu para os Estados Unidos os direitos de dois de seus roteiros, "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" e "Ata-me!", que devem receber "remakes".
Segundo ele, o cinema espanhol conseguiu sobreviver à indústria americana e seu último filme "A Flor do Meu Segredo" está em primeiro lugar nas bilheterias da Espanha, "à frente de Apollo 13 e coisas como essa".
O debate, assistido por mais de 500 pessoas, terminou às 19h30.

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