São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 1995
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'A Nora' busca poesia em vários registros

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Erramos: 25/10/95
O nome do diretor Steve Wang foi grafado incorretamente em uma das citações feitas em reportagem publicada à pág. 5-4 ( Ilustrada) de 23/10.
No início, "A Nora" (The Daughter-in-Law) se apresenta como um espetáculo estritamente realista. Temos ali um homem, Ah Dee, que comprou uma mulher para seu filho adotivo.
Ah Dee há muito não se sente um homem, diga-se. O fato não é acidental, porque dali a pouco, numa espécie de bar, ele tomará um copo de um líquido tirado de uma garrafa onde está uma serpente.
A partir daí a trama desencadeia-se. O líquido tem o poder de devolver a ele o desejo sexual. Desejo, em particular, por Tangerine, sua nora (e tanto mais plausível quanto o filho se encontra longe, servindo no exército).
A partir daí, o diretor Wayne Wang convoca todas as ordens de signos a intervir em sua história: a voz, o fantástico, o teatro, os deuses, os sonhos, a tempestade.
O acúmulo de registros poderia levar a filiar o filme a algo que se chama mistério. Mas mistério não é bem o termo. Talvez mais exato seja dizer que a narrativa se nutre do acúmulo de ordens, que parecem se acrescentar umas às outras, como camadas.
É aos poucos que o conjunto se mostra ao espectador, vai se decantando. Ao mesmo tempo, percebe-se que o filme encontra sua unidade, apesar da heterogeneidade que sugere.
É verdade que alguns aspectos dessa história ambientada em 1965 podem passar em branco para o espectador ocidental. Por exemplo, qual o sentido de Ah Dee ter servido no exército japonês durante a Segunda Guerra Mundial (considerando-se que parte da China estava ocupada pelo Japão)?
Outros aspectos são mais claros. Tomemos o momento em que Tangerine conta os dias de ausência do marido. Ela arranca uma folha da folhinha que tem diante de si e faz, com ela, um barco de papel. Em seguida, abre a gaveta. Vemos então que ela está entupida de barquinhos de papel.
É uma bela maneira -cheia de poesia, concisão e imaginação- para mostrar, a um tempo, o sentimento de ausência que ela experimenta, o tempo enorme dessa ausência, o amor que tem pelo marido, o vazio que a oprime.
Nem todo o filme é feito de momentos fortes, como este. Mas os que existem justificam plenamente o deslocamento até o cinema. Justificam, de quebra, o prestígio que a cinematografia das Chinas vem adquirindo nos últimos anos.

Filme: A Nora (The Daughter-in-Law)
Produção: Taiwan
Direção: Steve Wang
Elenco: Lee Li-Chum, Fang Reh-Chum, Kuo Zi-Chien
Onde: hoje, 20h, no Cinesesc

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