São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 1995
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S. Paulo conserva mal as obras de Niemeyer

LUCIO GOMES MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Reconhecido internacionalmente por suas monumentais obras em Brasília, Oscar Niemeyer tem presença marcante na paisagem paulistana, ainda não suficientemente conhecida e valorizada.
Quando São Paulo despontava como o centro do desenvolvimento industrial do país, as curvas características de sua arquitetura apareciam na cidade que queria também parecer "moderna.
No primeiro livro editado sobre sua obra, "The Work of Oscar Niemeyer", de Stamo Papadaki (New York, Reinhold, 1950), comparece somente um projeto em São Paulo: a Fábrica Duchem, (Manufaturing Center for Food Industries "Carlos de Britto SA!," near São Paulo), projetada com Hélio Uchoa em 1950, com estrutura de Joaquim Cardoso, o mesmo engenheiro que o acompanharia, nos anos seguintes, nos mais ousados projetos de Brasília.
Trata-se de uma obra renovadora para a arquitetura de indústrias, num longo edifício de quase 300 metros. Essa primeira obra na nossa cidade parece representar o descaso com que São Paulo trataria, durante anos, Niemeyer. Há algum tempo, o imóvel foi vendido e, apesar de constar um processo de tombamento da obra, o novo proprietário mandou derrubá-lo. Demolição embargada, as ruínas estão lá visíveis para quem passa pela Via Dutra, a caminho de Guarulhos.
No mesmo ano em que projeta a fábrica, Niemeyer nos dá o projeto do edifício Califórnia e, no ano seguinte, os edifícios Montreal e Copan e inicia os estudos do parque do Ibirapuera e de seus pavilhões (projetados com Eduardo Kneese de Mello, Zenon Lotufo e Hélio Uchoa e colaboração de Gauss Estelita e Carlos Lemos).
Os três primeiros edifícios logo se sobressaíram na paisagem do novo centro, entre eles o Copan. Logo torna-se logo símbolo de arquitetura moderna com feições brasileiras. Niemeyer passa então a contar com um escritório na cidade, coordenado por Carlos Lemos.
Inaugurado o parque Ibirapuera, nas comemorações do 4º Centenário, a população de São Paulo passa a poder usufruir e admirar a nova arquitetura: espaços públicos inovadores, organizados em torno da famosa marquise.
Ainda no início da década de 50, mais dois edifícios destinados ao mercado imobiliário foram projetados: o Triângulo e o Eifel. O primeiro, aproveitando um pequeno terreno com três frentes, no centro velho, propõe uma verdadeira escultura modernista tratada em suas várias faces com delicados brises, enquanto o acesso aos elevadores é rebaixada para o subsolo, liberando maior área de comércio no nível térreo.
O edifício Eifel é um dos poucos exemplos, em todo o mundo, de concretização dos edifícios em "redents", conforme propostos por Le Corbusier para a cidade contemporânea e confere ao espaço da Praça da República um elemento de destaque com sua fachada tratada com panos alternados que dissimulam a diversidade dos formatos de apartamentos nele abrigados.
Em todos esses edifícios há a preocupação de integrar o espaço privado com o urbano: a rua de pedestres sempre penetra suavemente em seu interior entre os pilotis. Obras de arte de marcante importância estão incorporadas a alguns projetos: um grande mural de mosaicos de vidro de Portinari completa uma face da Galeria do edifício Califórnia e um mural do mesmo material de Di Cavalcanti marca a entrada do edifício Triângulo.
Outros projetos seriam ainda desenvolvidos por Niemeyer em São Paulo, até dedicar-se integralmente à construção de Brasília. Entre estes, o de maior destaque é o Hospital Gastroclínicas.
Lamentavelmente, estas obras realizadas em São Paulo na década de 50, foram em geral malconstruídas e malconservadas. Exemplos notáveis são o degradante estado em que se encontra o prédio ocupado pelo Detran e os demais pavilhões do parque Ibirapuera. Há outros casos. O edifício Triângulo foi desfigurado com a retirada dos brises, seu mural está bastante danificado como o do edifício Califórnia. O Copan foi cercado com grades, muitos de seus vãos no térreo e sobreloja foram maltransformados, rompendo sua proposta e sua forma, enquanto o Montreal está decadente, interna e externamente.

Projetos e recuperação
Após um longo silêncio nestas terras, Niemeyer é chamado, em 1978, para estudar uma nova sede para a Cesp, que deveria ser programaticamente um marco na paisagem paulistana. Tal projeto, após muitas versões e longa maturação, acabou por não se concretizar. Em 1986, estuda a reurbanização da várzea do Tietê e um grande edifício que abrigaria a administração municipal. Por encomenda do governo do Estado, projeta, em 1988, o Memorial da América Latina, obra na qual o arquiteto retoma alguns dos seus temas mais caros, relacionados com a plástica do concreto armado e com o desafio dos grandes vãos.
Estes novos estudos e projetos, de grande vulto e complexidade, permitiriam o contato um grande número de arquitetos envolvidos em suas equipes de desenvolvimento com o processo de criação de Niemeyer, retomando contatos que haviam praticamente sido rompidos após a década de 50 e possibilitando uma reciclagem, na prática, da maneira de ver da "escola paulista".

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